Por Marcelo
Barros
O que adianta a ONU consagrar a cada
ano o 20 de fevereiro como dia mundial da justiça social se aceita que a
desigualdade social e econômica seja cada vez mais escandalosa e brutal? Não é
possível se esperar justiça social em um mundo no qual 60 famílias possuem o
equivalente à renda de mais de três bilhões de pessoas, isso é, a metade de toda
a população mundial. Na América Latina, na primeira década desse século, alguns
governos progressistas e mais ligados aos pobres conseguiram diminuir a pobreza
e reduzir a desigualdade social. Na segunda metade dessa década, por eleições mais
ou menos democráticas, ou através de golpes de Estado, o Império e seus aliados
conseguiram retomar o poder no continente. A partir de então, todos os índices
sociais se agravaram com o aumento da pobreza e da desigualdade social.
Há nove anos, em Caracas, o presidente
Hugo Chávez fundava a CELAC, Comunidade
de Estados da América Latina e Caribe. Era uma comunidade de 33 países
independentes. A CELAC representa quase 600 milhões de pessoas, habitantes da
América Latina e Caribe. Ali se discutiam os problemas que afetam o mundo e
especificamente a América Latina e Caribe. Integrava-se com outros organismos
como a ALBA (Aliança Bolivariana Latino-americana) para a integração econômica
dos países e a UNASUL, União das Nações da América do Sul. A primeira
providência dos novos governantes de direita, assim que assumiram o poder no
Paraguai, no Brasil, na Argentina, no Equador e em outros países, foi esvaziar
e destruir os organismos de integração continental para retomar a relação de
dependência e subserviência ao patrão imperial.
A eles pouco importa que a pobreza
extrema atinja atualmente quase 10% da população latino-americana e chegue a quase
20% no Caribe. O Haiti continua o país mais pobre do continente e é um dos dois
mais empobrecidos e explorados do mundo. Além disso, apesar de que o continente
tem uma das maiores quantidades de terras cultiváveis e férteis do planeta,
atualmente serve como palco de imensa destruição da natureza, provocada pelas
empresas de mineração. Afinal, 65% das reservas de todo o lítio do mundo estão
na Bolívia e Peru, assim como as maiores reservas de estanho. O Brasil guarda
uma das mais ricas reservas de ferro, o Chile é um imenso depósito de cobre. O
México tem 42% das minas de prata do mundo. Mas, embora não sejamos de nenhum
modo favoráveis à destruição dos territórios para fins de mineração, o pior
ainda é que tudo isso está servindo apenas para enriquecer empresas
multinacionais e uma pequena elite que delas se beneficiam. Não resultam de
modo algum em melhoria de vida para a população do país, menos ainda para os
trabalhadores explorados nessas minas. Acima de tudo, é catastrófica a
destruição das florestas, terras férteis e rios que abastecem de água regiões
inteiras do país. No dia 25 de janeiro, o rompimento da barragem de dejetos da
Vale do Rio Doce em Brumadinho, MG, nada
teve de acidente. Era uma tragédia prevista e anunciada. Apesar de saber dos
riscos, a empresa preferiu ganhar dinheiro sobre a destruição de toda a
natureza em uma imensa região afetada e a perda de centenas de vidas humanas.
Há décadas, Eduardo Galeano escreveu “As veias abertas da América Latina” para
denunciar a situação de exploração da terra e dos povos do continente, assim
como a dependência que mantínhamos em relação aos impérios do mundo.
Atualmente, com a atual investida do Império, a dominação das empresas
multinacionais que ditam as leis do mercado e governos que não representam as
maiorias da população, as veias da América Latina continuam abertas e
sangrando. Mais do que isso: estão sendo objeto de verdadeiro processo de
vampirização, bem simbolizado nos antigos filmes de terror.
Nossa única esperança é que a própria
sociedade civil e as suas organizações sociais se unam e articulem em uma ação
cidadã para velar por estruturas mais justas. É urgente a consolidação de
processos que fortaleçam a articulação das diversas categorias de
trabalhadores/as, em vista de uma forma nova e alternativa de organização
social e de democracia participativa.
Nas Igrejas cristãs, apesar dos
setores que, em nome de Deus, se aliam à direita e aos que oprimem os pobres, a
palavra de Jesus no evangelho continua ecoando e provocando mudanças: “O sopro divino veio sobre mim e me envia a
anunciar a libertação de todas as pessoas oprimidas” (Lc 4, 14ss). A luta
pela justiça social só se dará de verdade a partir da libertação que, como
afirmaram os bispos católicos em Medellín (1968) é “libertação de cada pessoa humana em todas as suas dimensões pessoais e
libertação de toda a humanidade” (Med. 5, 15).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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