Por Frei Betto
Festejai! Dançai! Diverti ó nobres
pecadores! Trazei às ruas vossas fantasias, as que se abrigam nos baús e as que
fervilham em vossas mentes! Eis que chega o Carnaval! E, agora, toda carne se
fará verbo.
Não fujais à alegria de Momo. A
vida é breve, os dias árduos, os sofrimentos frequentes e as dores, muitas.
Sobrepairam tempos sombrios de mentiras oficiais, de esperanças
minguadas, de direitos castrados. Não percais o ânimo de escalar o apogeu.
Entoai alvíssaras do alto dos morros e do cume dos prédios!
Não vos omitais da euforia popular.
Nuvens carregadas insistem em cegar o sol e coturnos pesados esmagam o asfalto.
Tempestades brotam até do chão, em forma de lama. Portanto, não deixeis de se
incorporar aos cordões que volteiam alegres às vossas portas. Lançai
serpentinas e confetes por vossas cabeças e inebriai de êxtases os vossos
corações.
Integrai-vos todos - crianças,
idosos, abastados e desdentados -, aos blocos que colorem de cantos e encantos
todos os recantos da cidade. Não permitais que nos roubem o júbilo, a exaltação
do espírito, a euforia que se apodera de razão e propaga emoção. Não deis
espaço ao desalento, desacreditai a tristeza, impedi que as más notícias
soneguem o júbilo do pierrô e da colombina.
Evocai os deuses, os orixás e os
espíritos benfazejos para que nos festejos reine a mais irrevogável democracia,
na qual as antinomias se fundem, as contradições se volatilizam, o futuro se
avizinha quando o ajudante de pedreiro exibe sua majestade encimada pela coroa
dourada e a faxineira descida da favela se revela rainha no cortejo triunfal.
Ide todos aos desfiles! Juntai-vos
à multidão daqueles que tanto incomodam aos arautos ressentidos do moralismo
exacerbado: homossexuais, travestis, indígenas, quilombolas, moradores de rua,
comunistas e adeptos do papa Francisco. Proclamai o direito à diferença sem que
prevaleça a divergência. Fazei vibrar os dedos das mãos sobre vossas cabeças,
qual revoar de abelhas besuntadas de mel, antes que o indicador e o polegar se
paralisem em simulacro bélico.
Não ocultais sob a vergonha o que
Deus não se envergonhou de ter criado. Reverenciai a sacralidade da nudez, a do
corpo e a da alma, para que a transparência predomine sobre a obscuridade.
Tende em conta que a indecência não reside no que se expõe à vossa frente, e
sim em vossos olhos desviados da inocência. Ousai todos manifestar a soberania
da arte, livre de todas as amarras da censura.
Desfilai pelo sambódromo e exibi,
na suntuosidade dos carros alegóricos, a pujança da Amazônia ameaçada pela
voracidade do lucro; as alegorias dos casais que se unem por amor, alforriados
da ditadura hétero; as utopias libertárias do século XX, que induziram tantos
jovens a se viciarem em utopia, livres das sombras necrófilas de supostas
filosofias eivadas de ódio; a bateria rítmica que celebra com seus tambores o
direito à vida dos rejeitados pelo crivo assassino da desigualdade social.
Vinde todos entoar o samba-enredo
da magia carnavalesca nessa quarta-feira de cinzas iniciada desde o primeiro
dia do ano. Na festa de Momo são exaltados os humilhados, celebrados os
descartados, reverenciados os ofendidos. Limpai vossas gargantas, apurai vossas
vozes, cantai a plenos pulmões para que o Carnaval se dissemine por corações e
mentes e se prolongue por dias e anos vindouros.
Abri alas para que a felicidade
alcance o quanto antes a praça da apoteose. E que todos os olhos se voltem para
os céus e contemplem, eufóricos, na passarela do tempo, o rodopiar das
cabrochas fantasiadas de planetas em torno do mestre-sala sol em seu brilho
esfuziante, a lua de porta-bandeira, e todo o Universo em incessante baile no
espaço sideral.
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística
do Universo” (José Olympio), entre outros livros.
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