Por Marcelo
Barros
Não se espante que esse possa ser o título
de uma reflexão sobre o sentido da Quaresma e da Páscoa. Na primeira parte do
século XX, Karl Barth, grande teólogo evangélico já afirmava que participar da
corrente da fé é como entrar na companhia de gente que conspira contra o
sistema perverso desse mundo. Então, o governo de extrema-direita que espiona
bispos e cardeais que se reúnem em Roma para um sínodo poderia ter certa razão
ao vê-los como risco para o sistema vigente. A Igreja cristã deveria ser mesmo uma
“conspiração de testemunhas”, com
coragem de atestar que a vida, sim, é que tem a última palavra, vitoriosa sobre
a morte e sobre todos os projetos sociais e políticos que levam à morte das
pessoas e da natureza.
Ser verdadeiramente discípulo/a de
Jesus é se tornar testemunha que vê com
nitidez o que muita gente não é capaz de enxergar. A cada ano, a celebração
pascal nos convida para nos juntarmos nessa conspiração pela Vida e, assim, enfrentarmos corajosamente os
poderes contrários e o mundo, para testemunhar que o projeto divino da
ressurreição terá a última palavra. Mesmo em meio a tantas tragédias que
assistimos, somos pessoas que “caminham
como se vissem o invisível” (Hb 11, 27).
Para cremos na ressurreição, precisamos
experimentar viver em insurreição contra esse sistema de aparência e de sombras.
Para testemunhar ao mundo de hoje que Jesus ressuscitou, precisamos experimentar,
em nós mesmos e em nossas relações sociais, um modo de viver novo e
transformador.
No Brasil, para concretizar isso e
ensaiar a Páscoa na sociedade para além das Igrejas, a CNBB propõe para essa
Quaresma o tema “Fraternidade e Políticas
Públicas” e tendo como lema a palavra do profeta: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1, 27).
Todas as comunidades e cada um/uma de
nós em particular, somos chamados/as a participar em parceria com outras
instituições públicas e privadas “em
favor da implantação e execução de políticas públicas voltadas para a defesa e
a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja”
(CNBB, Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil, 2015- 2019, n. 124).
Na sociedade atual, as políticas
públicas são as ações do governo que visam o bem comum e garantem os direitos
de todas as pessoas no campo da organização da vida social. Em geral, as
políticas públicas são organizadas pela ação do Estado e com a cooperação da
sociedade civil e de organizações que se colocam a serviço da educação, da
saúde e de outros serviços sociais. Contrariamente a isso, no Brasil atual, há
muitas áreas nas quais o povo parece abandonado à própria sorte. Essa ausência
do Estado e de políticas públicas favorece o domínio de grupos clandestinos e
violentos, muitas vezes, ligados ao tráfico de drogas e à violência armada e
cria situações de profunda insegurança social. Ao assumir esse assunto como
tema da Campanha da Fraternidade 2019, a proposta é que todas as pessoas
assumam uma postura cidadã e lutem por políticas públicas que envolvam o poder
público e a sociedade em benefício de todos os cidadãos.
Essa transformação de uma massa
alienada em um povo consciente de seus deveres e direitos cidadãos, é parte da
missão de uma Igreja centrada não em si mesma e em suas doutrinas e ritos, mas
no testemunho do projeto divino para um mundo novo possível.
Por tudo isso, a celebração da
Quaresma e da Páscoa de Jesus não pode e não deve ser mera repetição de ritos
antigos. Celebrar o memorial do Senhor é atualizar sua ação no meio de nós em
favor de toda a humanidade, “até que ele venha”, como, juntos, afirmamos na
oração eucarística.
Nenhum comentário:
Postar um comentário