por Maria Clara
Lucchetti Bingemer
Acaba de encerrar-se, em Roma, a reunião sobre os abusos sexuais dentro da
Igreja. Ali tiveram voz sobretudo as vítimas, que foram ouvidas com toda
abertura e transparência. O Papa, presente durante toda a reunião, ouviu as
acusações com dor e respeito e, ao final, comprometeu-se ao declarar que a
Igreja “não se cansará de fazer tudo que for necessário para levar à justiça
qualquer um que haja cometido abusos sexuais” e “nunca tentará encobrir ou
subestimar nenhum caso” .
Os 190 representantes da Igreja Católica presentes à reunião comprometeram-se
juntamente com o Papa a assumir a mesma atitude e comportamento. Fica claro
agora diante do mundo inteiro que a Igreja está consciente da chaga que leva em
seu interior na questão de abusos a menores e quer combatê-los com todos os
recursos de que dispõe. Além disso, deseja assumir uma atitude de transparência
com os fatos e tolerância zero para com os abusadores, seja quem for e que
cargo ocupem.
Francisco chama a atenção para o fato de o crime de abusos sexuais a menores
ser “universal e transversal”. Citou, para respaldar o que dizia, vários
relatórios de instituições internacionais e institutos de pesquisa.
Deixou claro, no entanto, que “isso não diminui sua monstruosidade dentro da
Igreja”. O fato de tais crimes acontecerem dentro da Igreja é mais grave,
porque contrasta e entra em rota de colisão com a autoridade moral e a
credibilidade ética, porque a mensagem de que os religiosos são portadores
provém do Evangelho de Jesus Cristo, em quem a comunidade cristã reconhece o
próprio Deus encarnado.
É realmente muito triste e assustador que em nossa sociedade as crianças, os
seres mais indefesos e vulneráveis, estejam expostos e indefesos, ameaçados até
mesmo no seio de suas famílias. E que tantos, ao procurarem a
Igreja como lugar de paz, amor e crescimento espiritual e moral, tenham se
deparado com agressões corporais e psicológicas que as marcaram para sempre.
Na verdade, os abusadores gostam da sombra, do silêncio. Perpetram seus
crimes na calada da noite e no silencio de ambientes considerados seguros e não
controlados. Alguns ameaçam as vítimas de perseguições e morte se
falarem. No caso dos clérigos abusadores, quer me parecer que jamais cogitaram
que as vítimas terminassem falando. O respeito e mesmo a veneração,
sobretudo em países católicos como os nossos latino-americanos, pela figura do
sacerdote ainda é forte, mesmo em tempos de secularização como aqueles que
vivemos.
Mas o silêncio foi quebrado, o tumor deixou correr seu líquido viscoso e
asqueroso. Graças a isso, pode-se iniciar um caminho de tratamento e
cura. E é isso o que pretende a Igreja liderada por Francisco: escutar,
tutelar, proteger e cuidar dos menores abusados. Também punir os culpados uma
vez comprovada a acusação. O próprio Papa declara estar disposto a levar
à justiça qualquer um que haja cometido tais crimes.
Apesar de toda a dor que esses acontecimentos representam para nós que amamos a
Igreja e nos sentimos membros dela, é inegável que esta reunião e suas
conclusões nos trazem uma profunda esperança. A comunidade eclesial, pela
boca de sua cabeça visível que é Francisco, declarou publicamente o caminho que
pretende tomar. E este caminho é o da transparência, da escuta respeitosa
das vítimas, das medidas claras e concretas para punir culpados e defender
inocentes.
Cabe agora, parece-me, por parte da sociedade e da opinião pública, tomar com
seriedade essa atitude da Igreja. É legítimo e necessário estar atento e
verificar se as medidas profiláticas são realmente aplicadas, denunciando
quando não o são. Importa também apoiar com respeito uma instituição que tem a
coragem de expor-se assim e rever tão radicalmente seus procedimentos.
Que o mesmo Espírito da verdade que animava Jesus de Nazaré assista Francisco e
a Igreja neste momento de conversão. A Quaresma que começará em breve é
um tempo propício para reconhecimento de culpas e mudanças de vida. É
imperativo voltar ao Evangelho, que diz: “só a verdade liberta” e “da boca das
crianças Deus faz sair o verdadeiro louvor”. Que a inocência da infância e da
adolescência possa encontrar novamente na Igreja lugar de abrigo e proteção, e
não de perigo e agressão.
Maria Clara Bingemer é professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de O mistério e o mundo –
Paixão por Deus em tempo de descrença (Editora Rocco)
Nenhum comentário:
Postar um comentário