Por Marcelo Barros
Esse é o título
de meu novo livro que, nessa semana saiu pela editora Vozes e terá o seu
lançamento nacional nessa quarta-feira, 27, na Igreja das Fronteiras, onde Dom
Helder Camara viveu por 40 anos e ali faleceu. Mais do que título de livro, se
trata de um programa que consiste em juntar as diversas teologias contextuais
que, na América Latina têm sido desenvolvidas. Assim, a eco-teologia, as
teologias índias, negras, feministas, gays e outras são chamadas a dialogar e a
se unirem. Devem dar uma resposta de fé e de ação solidária nesse mundo que,
cada vez mais, aumenta a criminosa desigualdade social e ameaça a continuidade
da vida no planeta Terra. No prefácio desse novo livro, afirma Leonardo Boff: “Podemos
resumir tudo nesta preocupação fundamental que se faz um denominador comum em
todas as formas de Teologias da Libertação: ‘Como testemunhar o amor e a justiça de Deus presente nas
bem-aventuranças de Jesus, em um mundo sem amor e sem justiça? Como fortalecer
a esperança dos oprimidos e excluídos do mundo em meio a uma sociedade que, cada
vez mais, se afunda em um caminho de desamor e de crueldade?’. Só o podemos
e com isso tornamos a fé cristã crível e aceitável, se nos empenharmos no apoio
aos próprios oprimidos em suas organizações, movimentos e redes sociais, reforçando
seu protagonismo e sua força histórica de transformação”.
A realidade
atual da América Latina é cada vez mais difícil. O império norte-americano tem
encontrado novas formas de colonialismo. As expressões que, vindo da Europa ou
da América do Norte, através dos colonizadores, o Colonialismo tomou ainda
precisam ser descontruídas para dar lugar a uma teologia e espiritualidade não
ocidental e decolonial.
Na Igreja
Católica, o papa Francisco propõe uma Igreja em saída, a partir da comunhão e da solidariedade com os
empobrecidos e excluídos da sociedade dominante. Até hoje, esse modo de
interpretar a fé não é plenamente aceito por muitos bispos, padres e fieis que
insistem em uma religião cultual e ligada ao poder. O recente sínodo dos bispos
católicos sobre a Amazônia defendeu a Ecologia Integral como meta da missão
eclesial. Pediu aos missionários e missionárias que valorizem as tradições
culturais e religiosas dos povos originários. Mesmo para quem se coloca a favor
dessas novas propostas, esse caminho não se fará espontaneamente, ou de forma
experimental. É preciso o aprofundamento de novas teologias da libertação para
os nossos dias. Desde o começo desse século, tem havido um diálogo fecundo
entre as Teologias da Libertação e as teologias do Pluralismo cultural e religioso.
As novas teologias da libertação são pluralistas e decoloniais.
Algumas
intuições da primeira Teologia da Libertação nos anos 70 são sempre atuais e
necessárias. No entanto, há muitos desafios novos e a própria compreensão do
pobre, hoje, se desdobra não somente no oprimido social, mas em categorias de
raça (negro, indígena, etc) e em relações de gênero. A partir de uma intuição
de Leonardo Boff, o próprio Sínodo da Amazônia, que colocou a Igreja à escuta
do grito do pobre, pediu que se unisse esse grito ao clamor da Terra que está
invadida, saqueada e ferida pelo mesmo sistema capitalista que oprime os pobres
e mata a vida.
Desde os seus
inícios, a Teologia da Libertação sempre insistiu na prioridade da
espiritualidade. A inserção junto aos oprimidos do mundo é caminho de
intimidade com o Deus de Jesus. Por isso, essas novas teologias da libertação
para os nossos dias conferem realce especial à espiritualidade e à mística,
presentes no meio do povo. Não qualquer espiritualidade e mística, mas aquela
espiritualidade dos olhos abertos sobre as feridas da realidade dos sofredores
e das mãos operosas para saná-las. As novas teologias pluralistas da libertação
desenvolvem uma mística profunda como
intimidade do amor a Deus, que se expressa por motivações e convicções-força
que dão sentido e rumo à vida.
Nesse contexto
atual, temos de ter coragem de enfrentar questões novas, como o desafio das
redes sociais, a radicalização do neoliberalismo, o fenômeno da ascensão da
direita em nível mundial e nacional. As novas teologias da libertação não podem
se eximir de tratar as formas diversas de convivência afetiva, além da
matrimonial, as importantes contribuições do Oriente para a humanidade e mesmo o
significado espiritual do Tantra. Não se trata de aceitar tudo isso como uma
miscelânea de crenças e propostas e sim de verificar cada uma à luz do
evangelho de Jesus que veio não para nos entregar doutrinas, mas para nos
ensinar a viver os valores do Reino: o amor incondicional, a compaixão, a
solidariedade e a ternura.
As novas
teologias da libertação para os nossos dias podem nos entusiasmar e convocar à com-paixão
pelos condenados e ofendidos. Elas nos animarão para, junto com outros,
assumirmos um compromisso de libertação do ser humano todo e de todos os seres
humanos, seja à luz da fé cristã, seja motivados/as pelo chamado do Espírito de
Amor em todas as tradições espirituais da humanidade.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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