Por MARIA CLARA LUCCHETTI
BINGEMER

A
tragédia, além de estrutural, é também criminal. A polícia de Bangladesh
apura as responsabilidades do proprietário do edifício que desmoronou e dos
responsáveis pelas fábricas têxteis, onde centenas de pessoas trabalhavam em
condições desumanas e foram impedidas de deixar o local apesar das rachaduras
constatadas no edifício um dia antes.
Em
meio a todo este luto, a foto clicada pela ativista Taslima Akhter
transformou-se em ícone da tragédia e denúncia profética da injustiça terrível
que é sua causa direta. O casal abraçado morto sob os escombros transformou-se
em símbolo eloquente daquilo que se espera que nunca mais aconteça. O
rosto já enrijecido do homem, coberto de pó, apoiado sobre o corpo da mulher,
cujo rosto não se vê, serve de rosto e identidade às vítimas sem voz desta
tragédia.
A parte de baixo dos corpos está enterrada no cimento. E do rosto visível do homem escorre sangue como lágrimas. Seguramente se abraçaram no momento em que ruía o prédio e eram soterrados. O abraço derradeiro dá testemunho de sua humanidade, de sua carne que procura em outra carne apoio e ajuda em um momento extremo. É o perfeito retrato da dor de um país inteiro, de um mundo inteiro. Pois quem, dotado de alguma sensibilidade, pode ficar intocado interiormente pela visão desta foto?
A parte de baixo dos corpos está enterrada no cimento. E do rosto visível do homem escorre sangue como lágrimas. Seguramente se abraçaram no momento em que ruía o prédio e eram soterrados. O abraço derradeiro dá testemunho de sua humanidade, de sua carne que procura em outra carne apoio e ajuda em um momento extremo. É o perfeito retrato da dor de um país inteiro, de um mundo inteiro. Pois quem, dotado de alguma sensibilidade, pode ficar intocado interiormente pela visão desta foto?
Com
toda a dor que transmite, com toda a feiura e brutalidade da tragédia que
revela, no entanto, a foto possui uma estranha beleza. Trata-se da beleza
da humanidade, obra do Criador, que deixa o selo do amor mesmo em meio ao mais
assombroso e aterrorizante desamor. Que marca com o selo da vida as
situações onde só existe a morte e a destruição. A ternura que emana do abraço
do casal não pode deixar de tocar e sensibilizar a todos que a vêem e se sentem
atingidos e sabem que nunca a esquecerão.
A fotógrafa tentou por todos os meios descobrir a identidade do casal e a relação que os unia. Seriam casados? Amantes? Amigos? Colegas? Nada foi descoberto até agora. Porém, desde o seu anonimato, seu abraço é mais eloquente que todos os documentos de identidade possíveis. Retratam um povo, uma parcela da humanidade que vive e trabalha em condições subumanas. Um povo solidário na opressão e na dor de sua subjugada situação. E que ao ser empurrado para a morte pela injustiça que o oprime só encontra no abraço do outro, da outra, do amor, da amizade ou da proximidade física um canal para expressar sua humanidade.
A fotógrafa tentou por todos os meios descobrir a identidade do casal e a relação que os unia. Seriam casados? Amantes? Amigos? Colegas? Nada foi descoberto até agora. Porém, desde o seu anonimato, seu abraço é mais eloquente que todos os documentos de identidade possíveis. Retratam um povo, uma parcela da humanidade que vive e trabalha em condições subumanas. Um povo solidário na opressão e na dor de sua subjugada situação. E que ao ser empurrado para a morte pela injustiça que o oprime só encontra no abraço do outro, da outra, do amor, da amizade ou da proximidade física um canal para expressar sua humanidade.
Emocionada
ao falar sobre a foto que conseguiu fazer com sua câmera, Taslima Akhter diz
ser assombrada por essa imagem em seu sono e vigília. Sente como se o
casal dissesse: “Nós não somos um número. Não somos apenas vidas baratas e mão
de obra barata. Somos seres humanos como você. As nossas vidas são tão preciosas
quanto a sua, e os nossos sonhos são preciosos também.”
Como na música de Chico Buarque “Futuros Amantes”, o casal da foto foi descoberto e seu abraço na morte trazido à luz não pelos escafandristas que mergulham em cidades submersas. Nem tampouco pelos sábios que se debruçam sobre pergaminhos e documentos antigos para decifrar seu sentido. Mas pelo clic de uma mulher inconformada com a injustiça que existe em seu país e no resto do mundo onde vive.
Eles
e ela hoje nos dizem que a única força capaz de ser sempre amável é o amor.
E o amor acolhe e aplaude abraços ternos e amorosos. Mas repudia
com veemência estruturas e meios de produção onde seres humanos são massacrados
diariamente, expostos a perigos e agredidos em sua chama vital.
No entanto, como diz ainda o poeta, “amores serão sempre amáveis”. E este também o é, apesar da tristeza que envolve a situação onde foi encontrado. Do fundo de seu abraço infinitamente terno, o homem e a mulher da foto de Tasmina Akhter são novo Adão e nova Eva. Atestam que, apesar de tudo, amor é sempre sopro de vida, ainda que em meio à morte e aos escombros poeirentos de uma fábrica têxtil devoradora de vidas.
Maria Clara Lucchetti
Bingemer, teóloga, professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da
PUC-Rio. é autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que pode
ser encomendado diretamente à escritora pelo e-mail –
agape@puc-rio.br – R$ 20,00.
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CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em
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