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segunda-feira, 4 de julho de 2016

A PAZ DOS CEM DIAS


 por Maria Clara Lucchetti Bingemer



            A expressão Guerra dos Cem Anos  identifica uma série de conflitos armados, registrados de forma intermitente, durante os séculos XIV e XV , envolvendo a França e a Inglaterra.  A longa duração desse conflito explica-se pelo grande poderio dos ingleses de um lado e a obstinada resistência francesa, do outro. Esta foi a primeira grande guerra europeia que provocou profundas transformações na vida econômica, social e política da Europa Ocidental. A França foi apoiada pela EscóciaBoêmiaCastela e Papado de AvinhãoA Inglaterra teve por aliados os flamengosalemães e portugueses. A questão dinástica que desencadeou a chamada Guerra dos Cem Anosultrapassou o caráter feudal das rivalidades político-militares da Idade Média e marcou o teor dos futuros confrontos entre as grandes monarquias europeias.

            Além dos cem anos, temos os cem dias. Trata-se de um interregno governamental de Napoleão Bonaparte, mas que também esteve ligado a um conflito armado. O período conhecido como os Cem Dias (também chamado de Governo dos Cem Dias) marca o retorno do imperador francês Napoleão I ao poder, após sua fuga do exílio na ilha de Elba. Ele chegou a Paris em 20 de março de 1815. Determinados a removê-lo do trono de uma vez por todas, diversas potências europeias, como a InglaterraRússiaPrússia e Áustria, formaram uma nova coalizão contra a França. A volta de Napoleão aconteceu ao mesmo tempo em que o Congresso de Viena estava em andamento. Em 13 de março, sete dias antes de o imperador francês marchar sobre a capital, os dignitários europeus em Viena declararam Bonaparte oficialmente fora da lei. A partir daquele momento, o horizonte do poderoso imperador foi o exílio, a Ilha de Santa Helena e a morte.

            Parece que há uma perigosa proximidade entre o número cem que conta o tempo e a guerra, nome institucional da violência que pode tomar diversas formas e em nosso país acontece de maneira especialmente cruel nas grandes cidades.  É aí que entra o outro olhar sobre os 100 dias, não mais de guerra, mas de paz. O cardeal do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, que criou o projeto "100 dias de paz", referindo-se aos 50 dias que antecedem as olimpíadas e aos outros 50 que a elas se seguem.

A Trégua Olímpica foi criada no século VIIII a.C., com o objetivo de estabelecer a paz na Grécia Antiga. Segundo a lenda, o rei grego foi avisado por um oráculo que para quebrar o ciclo de conflitos deveria ser feita uma competição atlética amistosa a cada quatro anos. Então, o rei propôs aos reinos próximos uma trégua, chamada de Ekecheiria, que em grego significa “dar as mãos”. Durante a trégua, atletas, artistas e suas famílias, bem como peregrinos comuns, poderiam viajar em total segurança para participar ou assistir aos Jogos Olímpicos e voltar mais tarde para seus respectivos países. Assim foram criados os primeiros Jogos Olímpicos, em 776 a.C. Originalmente a trégua começava sete dias antes dos Jogos e durava mais sete dias após, mas depois foi estendido para 50 dias antes e depois.

A tradição da trégua Olímpica foi mantida simbolicamente nos Jogos da era moderna, ressurgidos e idealizados pelo Barão de Coubertin, há pouco mais de cem anos. Sua relevância hoje é patente, sobretudo levando em conta o contexto global em que o esporte e os Jogos Olímpicos estão inseridos – de violência, insegurança, desconfiança e suspeitas constantes.  Por isso, o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu reviver o antigo conceito da Trégua Olímpica, com o objetivo de proteger, tanto quanto possível, os interesses dos atletas e do esporte em geral, e para incentivar a procura de paz e soluções diplomáticas para os conflitos ao redor do mundo.

A tradição da trégua olímpica já foi quebrada diversas vezes, ao longo desses anos, devido a duas guerras mundiais, diversos boicotes e dois ataques terroristas. No entanto, a Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1993, passou a instituir a Trégua Olímpica ou os 100 dias de Paz para todas as edições dos Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno.

A Igreja Católica, que deseja ser, conforme diz o documento Gaudium et Spes, perita em humanidade, deseja somar-se a esses esforços pela construção de um mundo de paz, reforçando a contribuição do esporte nesse sentido. Por isso, tal como na Bíblia era proclamado pelo povo de Israel o Ano Jubilar, quando dívidas eram perdoadas e a terra descansada, somos agora convidados a cuidar com carinho da construção da paz no Rio, que se prepara para sediar os Jogos Olímpicos. 

É possível que ocorram críticas  sobre o processo e o desenrolar do certame.  Mas nunca se deve perder a esperança de que tal evento seja capaz de trazer alguma paz para nossa tão ferida e combalida cidade.

 Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)

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