por Maria Clara Lucchetti
Bingemer
A
expressão Guerra dos Cem Anos identifica uma série de conflitos
armados, registrados de forma intermitente, durante os séculos XIV e XV ,
envolvendo a França e a Inglaterra.
A longa duração desse conflito explica-se pelo grande poderio dos ingleses de
um lado e a obstinada resistência francesa, do outro. Esta foi a primeira
grande guerra europeia que provocou profundas transformações na vida econômica,
social e política da Europa
Ocidental. A França foi apoiada pela Escócia, Boêmia, Castela e Papado
de Avinhão. A Inglaterra teve por aliados os flamengos, alemães e portugueses.
A questão dinástica que
desencadeou a chamada Guerra dos Cem Anosultrapassou o caráter feudal das
rivalidades político-militares da Idade
Média e marcou o teor dos futuros confrontos entre as grandes
monarquias europeias.
Além dos cem anos, temos os cem dias. Trata-se de um interregno governamental de
Napoleão Bonaparte, mas que também esteve ligado a um conflito armado. O
período conhecido como os Cem Dias (também chamado de Governo dos Cem
Dias) marca o retorno do imperador francês Napoleão
I ao poder, após sua fuga do exílio na ilha de Elba.
Ele chegou a Paris em
20 de março de 1815. Determinados a removê-lo do trono de uma vez por todas,
diversas potências europeias, como a Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria,
formaram uma nova coalizão contra a França. A volta de Napoleão aconteceu ao mesmo tempo em que
o Congresso de Viena estava em andamento. Em 13 de
março, sete dias antes de o imperador francês marchar sobre a capital, os
dignitários europeus em Viena declararam Bonaparte oficialmente fora da lei. A
partir daquele momento, o horizonte do poderoso imperador foi o exílio, a Ilha
de Santa Helena e a morte.
Parece que há uma perigosa proximidade entre o número cem que conta o tempo e a
guerra, nome institucional da violência que pode tomar diversas formas e em
nosso país acontece de maneira especialmente cruel nas grandes cidades. É
aí que entra o outro olhar sobre os 100 dias, não mais de guerra, mas de paz. O
cardeal do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, que criou o projeto
"100 dias de paz", referindo-se aos 50 dias que antecedem as olimpíadas
e aos outros 50 que a elas se seguem.
A Trégua Olímpica foi
criada no século VIIII a.C., com o objetivo de estabelecer a paz na Grécia
Antiga. Segundo a lenda, o rei grego foi avisado por um oráculo que para
quebrar o ciclo de conflitos deveria ser feita uma competição atlética amistosa
a cada quatro anos. Então, o rei propôs aos reinos próximos uma trégua, chamada
de Ekecheiria, que em grego significa “dar as mãos”. Durante a trégua, atletas,
artistas e suas famílias, bem como peregrinos comuns, poderiam viajar em total
segurança para participar ou assistir aos Jogos Olímpicos e voltar mais tarde
para seus respectivos países. Assim foram criados os primeiros Jogos Olímpicos,
em 776 a.C. Originalmente a trégua começava sete dias antes dos Jogos e durava
mais sete dias após, mas depois foi estendido para 50 dias antes e depois.
A tradição da trégua
Olímpica foi mantida simbolicamente nos Jogos da era moderna, ressurgidos
e idealizados pelo Barão de Coubertin, há pouco mais de cem anos. Sua
relevância hoje é patente, sobretudo levando em conta o contexto global em que
o esporte e os Jogos Olímpicos estão inseridos – de violência, insegurança,
desconfiança e suspeitas constantes. Por isso, o Comitê Olímpico
Internacional (COI) decidiu reviver o antigo conceito da Trégua Olímpica, com o
objetivo de proteger, tanto quanto possível, os interesses dos atletas e do
esporte em geral, e para incentivar a procura de paz e soluções diplomáticas
para os conflitos ao redor do mundo.
A tradição da trégua
olímpica já foi quebrada diversas vezes, ao longo desses anos, devido a duas
guerras mundiais, diversos boicotes e dois ataques terroristas. No entanto, a
Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1993, passou a instituir a Trégua
Olímpica ou os 100 dias de Paz para todas as edições dos Jogos Olímpicos de
Verão e de Inverno.
A Igreja Católica, que
deseja ser, conforme diz o documento Gaudium et Spes, perita em
humanidade, deseja somar-se a esses esforços pela construção de um mundo de
paz, reforçando a contribuição do esporte nesse sentido. Por isso, tal
como na Bíblia era proclamado pelo povo de Israel o Ano Jubilar, quando dívidas
eram perdoadas e a terra descansada, somos agora convidados a cuidar com
carinho da construção da paz no Rio, que se prepara para sediar os Jogos
Olímpicos.
É possível que ocorram
críticas sobre o processo e o desenrolar do certame. Mas nunca se
deve perder a esperança de que tal evento seja capaz de trazer alguma paz para
nossa tão ferida e combalida cidade.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ A teóloga é
autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)
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