Por Juracy Andrade
O papa
Francisco, bispo de Roma, como ele se apresentou aos fiéis ao ser eleito, e não
sucessor do imperador romano, continua a surpreender. Não faz muitos dias,
falando a noivos, afirmou que uma grande maioria de casamentos sacramentais é
nula e acrescentou que os jovens não devem casar somente porque a garota
engravidou.
Interessante
que, depois que eu amadureci mais e me libertei de muita coisa equivocada que
os padres ensinam no seminário, passei a pensar assim. Retornei à vida civil
convencido de que seria insensato tomar um compromisso (voto de celibato) para
toda a vida sem conhecer como a vida é e sem ter garantia permanente do necessário
carisma, que chamamos graça. Regra do direito canônico não é graça de Deus.
Casei uns cinco anos depois, com pouquíssima condição financeira. A orientação
era que só se devia ter relações sexuais no casamento. Nada de namorar pra
valer, ficar, experimentar o que é a vida a dois; muito menos optar por uma
vida de solteiro namorador.
Lembro aquela
conversa (não lembro de quem é): “Pra toda parte aonde eu vou Maria vai / Ela
sem eu ela se veste mas não sai / Já faz dez ano que nós temo esse xodó / Só podemo
viver junto que nem dois num corpo só” (sic). Isso pode ser bom, mas é raríssimo.
Seguindo a
orientação, casei sem condições financeiras e também sem conhecer o “produto”
(conhecer no sentido bíblico da expressão). Mal suspeitava que, dali a uns dois
anos, aconteceria a fatalidade do golpe civil-militar de 1964, que bagunçou por
muito tempo a minha vida: andei preso, perdi o emprego na universidade e ficou
difícil alguma pessoa alinhada com a ordem unida me dar emprego. Quis voltar
para a Europa, onde estudara por uns cinco anos (obtive até uma bolsa através
do cônsul francês Marcel Morin), mas minha então mulher não aguentava ficar
longe de papai e mamãe ...
Obtive empregos
precários em publicidade (Carol Fernandes, um amigo que morreu recentemente) e
em sucursais de jornais do Sudeste. Mas um trabalho realmente compensador só
apareceu em 1967 na Folha de S. Paulo,
lá em Sampa. Em São Paulo, estava cheio de nordestinos vítimas do golpe e havia
trabalho para todo mundo (as polícias, na época, não eram conectadas e assim lá
éramos, para os milicos, santos homens e mulheres). Quase todo ano, a Abril
lançava nova revista e ainda havia muitas outras editoras e jornais. Eu ganhava
bem. Mas havia o mesmo problema que o que houve em relação à Europa: saudade de
papai e mamãe ... É o caso de perguntar: um casamento assim tem validade?
Precisou pintar aí um papa cristão para falar o que Francisco falou. Sem
liberdade, conhecimento da realidade, não há validade.
Dada a falta de
validade de um casamento “no escuro”, ambos os cônjuges têm o direito de
contrair novo casamento. Ambos. Pois a mulher também pode casar “no escuro”,
ignorando que o noivo é mulherengo, que é machista militante e não vai deixá-la
trabalhar, que não vai querer ter filhos ou que vai enchê-la de filhos para
folgar melhor. Daí a preocupação de Francisco com católicos (as) divorciados
(as) e recasados (as).
Juracy Andrade é
jornalista com formação em filosofia e teologia
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