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terça-feira, 5 de julho de 2016

PROJETO DE VIDA, SEXUALIDADE E FÉ


Por Marcelo Barros


O mundo inteiro ainda vive o trauma do massacre ocorrido em uma boate gay de Orlando, quando, no dia 12 de junho, um homem matou 49 pessoas e feriu gravemente outras 53. No mundo inteiro, movimentos sociais e a sociedade civil têm protestado contra a homofobia, expressa nesse ódio violento e fanático. No entanto, também no Brasil, quase a cada dia, ocorre um ataque físico ou alguma  manifestação de ódio contra qualquer pessoa que possa parecer homossexual. Em nosso país, somente em 2015, as estatísticas mostram que 318 pessoas consideradas do grupo LGBT foram assassinadas. Isso significa que, em um ano, sofremos o correspondente a quase seis massacres como o de Orlando. E no próprio Congresso Nacional, leis e medidas legais contra a homofobia não são aprovadas porque, conforme parlamentares, pentecostais e católicos carismáticos, o homo-erotismo teria sido condenado pela Bíblia. Por lerem os preceitos bíblicos ao pé da letra e sem levar em conta o contexto histórico e social da época, querem impor costumes e critérios culturais do Oriente Médio de 2500 anos ao povo brasileiro do século XXI. Como se Deus fosse homofóbico e, para ser de Deus, o Brasil precisasse ser transformado em congregação religiosa, aprisionada a um passado mítico e culturalmente extinto.   
Do outro lado, nessa sociedade em que vivemos, uma autoridade policial chega a culpar uma jovem de menor idade por ter sido estuprada violentamente por 33 homens ensandecidos. E há quem diga que mulher que anda na rua com roupas provocantes está pedindo para ser agredida. Infelizmente, esses são apenas sinais de que só pode ser muito doente uma sociedade na qual o comércio sexual e pornográfico só não rende mais do que o tráfico de drogas e a venda de armas.

Nessa realidade, as Igrejas cristãs poderiam se constituir como espaços de humanização em um diálogo aberto e amoroso com a humanidade. Para isso, é importante que os/as pastores/as e ministros/as, não se fechem em defesa de leis morais, incompreensíveis para a grande maioria da humanidade, principalmente da juventude. É importante não projetar em Jesus e nos evangelhos o moralismo rígido ainda comum nos meios eclesiásticos. Não podemos dar ao mundo o testemunho de um Deus cruel e desumano que parece mais um tirano de aldeia antiga do que um Espírito Divino, fonte de Amor, presente e atuante em todas as formas de amor humano.  

Na exortação Amoris Letitia, ( a alegria do amor),  o papa Francisco procura mudar o estilo dos documentos romanos sobre moral e as diversas realidades da família. O papa dá um belo testemunho de respeito a todos e de diálogo. Sabe que a maioria dos seus irmãos bispos e de muitos fieis não aceita mudar substancialmente as leis da Igreja sobre a moral sexual. Por isso, ele não propõe mudanças no conteúdo da doutrina, mas inicia um novo estilo de diálogo sobre o assunto. Pede dos ministros profundo respeito às consciências individuais para o acompanhamento de cada caso, de acordo com as realidades diversas e cada cultura local.

De fato, a vida afetiva e sexual é assunto delicado porque toca no mais profundo da pessoa. A afetividade e o sexo nos conduzem ao mistério mais íntimo, à identidade de cada ser humano. Ninguém faz essa “viagem”, sem alguma parcela de insegurança e mesmo de sofrimento. E no processo de construção interior do nosso ser mais profundo e do nosso projeto de vida, a sexualidade deve, de alguma forma, ser integrada, senão ela pode ser fator de desagregação pessoal e de sofrimentos.

Para quem procura viver um caminho espiritual, integrar a sexualidade no seu projeto de vida é elemento indispensável. Somente alguém que integra a sua sensibilidade afetivo-sexual com os outros aspectos do seu crescimento pessoal e de como vê sua missão concreta nesse mundo consegue realizar um verdadeiro diálogo consigo mesmo e uma abertura profunda às outras pessoas. Sem dúvida, a comunhão com Deus tem de se expressar também em nossa forma de lidar com o corpo nosso e dos outros. A própria luta pela transformação da sociedade pede de nós a superação dos preconceitos e uma postura de respeito, amor e superação de todas as discriminações sociais e de gênero. No começo do Cristianismo, Paulo escreveu: "Homens e mulheres, judeus e gregos, escravos ou livres, somos todos uma coisa só no Cristo Jesus, nosso Senhor" (Gl 3, 27).


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países. 

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