Por Eduardo Hoornaert
O que hoje acontece com a
política no Brasil não é novidade. É a continuação de uma longa série de farsas
revestidas de seriedade, que a história registra ao longo dos tempos. Como
interpretar de forma diferente a recente declaração do Presidente do Senado,
Renan Calheiros, quando diz que no final de agosto os exaustivos trabalhos do
julgamento final do impeachment de Dilma devem estar concluídos? Que trabalhos
hercúleos são esses, para exigir tanto tempo e tanto empenho? Os senadores
estão trabalhando tanto que não têm tempo para rir, de tanto se aprofundar em
pilhas de documentos. Isso me lembra uma anotação no Diário do escritor
americano Henry Miller, em 1938. Após visitar Adolfo Hitler, ele escreveu: Aqui
as coisas andam mal. O homem não sabe rir. Não, neste momento senadores e
senadoras não riem, pois não é brincadeira revestir todo esse calhamaço de
roupa séria. A cada momento se arrisca soltar uma palavra errada e fazer com
que apareça, num rasgo da cortina, a cara farsante de todo o empreendimento.
Uns dias atrás, Eduardo Suplicy fez em público um apelo à sua ex-mulher Marta,
atualmente senadora, dizendo: ‘Marta, você sabe que é golpe. Então diga o que
sabe’. Mas Marta não diz o que sabe, pois ela pensa no futuro. Como reza o
provérbio espanhol:El dia que diga lo que pienso, me borran del mapa. Mesmo o
ex-senador Pedro Simon, homem esclarecido, numa entrevista concedida no dia 13
de abril deste ano, seis dias antes da sessão do impeachment na Câmara, pareceu
não acreditar que tudo daria em farsa, pois deu a impressão de ainda acreditar
que fosse possível que empreiteiros assumissem posições independentes, ao citar
o nome do empreiteiro Antônio Ermírio de Moraes. Como isso fica hoje, quando
assistimos (pelo menos os/as que assistem à TV) a efusivos abraços entre Michel
Temer e empreiteiros?
Uma resposta válida à
farsa consiste na paródia e na ironia, como mostram escritores particularmente
lúcidos. Se não for por um agudo senso de um mundo às avessas, totalmente
injusto, como teria nascido Dom Quixote de Cervantes, o Idiota de Dostoievski,
o Rei Lear de Shakespeare? Mas parece que nossos irônicos sumiram do mapa. Onde
está Millôr Fernandes, o ‘Amigo da Onça’ da saudosa Revista ‘Realidade’, o
‘Professor Raimundo’ de Chico Anísio? Onde está Macunaíma, o ‘herói sem
caráter’? Hoje ficamos condenados a ver a pantomima de Tiririca que troca a
honrada roupa de cômico pelo paletó de deputado farsante. Parece que o mundo
está contaminado pela suprema seriedade de Bonner no Jornal Nacional, que é
capaz de dizer as maiores barbaridades com a cara mais lisa do mundo. Certo,
Bonner é a cara da Globo. Mas não é só a Globo, praticamente todos os canais de
TV nos condenam a ver e ouvir sempre as mesmas coisas, ditas com uma seriedade
que assusta.
Se tudo isso é farsa para
uns poucos, é tragédia para muitos.
Tragédia para os desempregados, as mães que
vivem com crianças em bairros populares, os pais de família que procuram dar do
melhor a seus filhos. Mas parece que estamos diante de um regime que ‘joga
duro’, ‘não brinca em serviço’ e ensina ao povo que é preciso sofrer (o termo
politicamente certo é ‘superar a crise’)? O rosto de Michel Temer mostra que a
seriedade é a marca registrada desse tipo de regime. Parece que esse rosto fala
e diz: ‘Saiba manter a postura. Você não vê que são os empreendedores que fazem
o Brasil, não os malandros? ’. Então é preciso fazer como o Presidente Temer:
exibir sempre um controle emocional, calcular bem o que se diz e principalmente
fugir da espontaneidade, do riso e da brincadeira, que são atributos de
descendentes de escravos.
Eduardo Hoornaert foi professor catedrático de História da Igreja. É membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA). Atualmente está estudando a formação do cristianismo nas suas origens, especificamente os dois primeiros séculos.
www.eduardohoornaert.blogspot.com.br/
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