Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Conheci Leonardo Boff primeiramente através de seus escritos.
Quando comecei a estudar Teologia na PUC-Rio, em 1975, tive como leitura para
os cursos textos e livros seus. Pouco a pouco sua produção teológica
constante e ininterrupta ia sendo por mim lida e apreciada, seja por indicação
dos professores, seja por iniciativa própria. Ajudaram-me muito e a
muitos e muitas que conheciam seus livros dos anos 1970: Vida para além da
morte, Minima Sacramentalia. E evidentemente, Jesus Cristo
Libertador.
Graças ao comum e saudoso amigo João Batista Libanio SJ, tive
a oportunidade de conhecê-lo mais de perto na década de 1980. Comecei a
participar de reuniões por ele organizadas, nas quais conheci e convivi com
pessoas do calibre de Gustavo Gutierrez, Jon Sobrino e tantos outros. A
liderança incontestável, porém, era de Leonardo, que a partir da Editora Vozes
dirigia revistas, organizava coleções, trazia a público o melhor da teologia
que a América Latina produzia naqueles anos .
Participei do período em que ele teve dificuldades com a
Comissão da Doutrina da Fé, no Vaticano. E qual não foi minha surpresa quando,
ao mesmo tempo em que me inteirava da triste notícia do “silêncio obsequioso”
que lhe era imposto, recebi um telefonema seu pedindo-me para substituí-lo em
Petrópolis ministrando o curso de Trindade.
E assim aconteceu. Subia entusiasmada a serra toda
semana para dar aula. Turma ótima de alunos vigorosos e interessados, a
maioria franciscanos. Mas havia também alguns cristãos leigos. Após
a aula, tínhamos conversas profundas e enriquecedoras, que não esqueço.
Esse catarinense, vindo de um sul brasileiro bem marcado pelo
machismo, sempre acreditou nas mulheres e em seu potencial na teologia.
Em 1986, como diretor da REB, publicou um número inteiro da revista só com
artigos de mulheres teólogas latino-americanas. Creio haver sido a
primeira publicação desse gênero no continente. E foi um grande apoio para nós,
que começávamos apenas a tecer nossa rede e a acreditar em nós mesmas.
Em maio de 1989, defendi minha tese de doutorado em teologia
na Universidade Gregoriana de Roma. Entre os muitos brasileiros –
estudantes e professores - que assistiram a minha defesa havia dois muito
ilustres: Dom Marcelo Carvalheira (então bispo responsável pelo setor Leigos na
CNBB) e Leonardo Boff. Estando em Roma na ocasião, se fez presente com
seu apoio e amizade. Jamais esquecerei sua presença naquele dia tão importante
para mim.
Dos anos 1990 em diante, já não como frade franciscano,
lançou-se como pioneiro no tema que seria a grande novidade do pensamento
social e da teologia na virada do milênio: a ecologia. Hoje, vejo que seu
fascínio pela criação e o cosmos já se encontravam latentes em sua
espiritualidade franciscana. Apesar de não mais pertencer à Ordem dos Frades
Menores, o carisma de Francisco de Assis, com seu amor universal por todas as
criaturas, continuava selado em sua vida e seu coração. Acadêmico respeitado e
convidado no mundo inteiro, continuava produzindo incessantemente e trazendo
novas contribuições para a sociedade. E assim segue até hoje.
O advento do Papa Francisco, com a vital renovação que trouxe
para a Igreja, encontrou um Leonardo atento e ativo. E quando celebramos
seu 80º aniversário, continuamos todos saboreando os frutos de seu ministério
teológico e intelectual. Constato com imensa alegria o interesse de alunos meus
que estudam sua obra. E posso testemunhar a luminosa influência que este sábio
octogenário tem sobre as novas gerações que não foram maleficamente captadas
pela razão cínica e ainda desejam horizontes mais largos.
Subi a serra mais uma vez para comemorar seus 80 anos.
Em uma bela e carinhosa festa organizada com carinho por sua família, seus
editores e seus amigos e irmãos franciscanos, tocava música, ressoavam as
palavras e celebrava-se a vida. Talvez o presente maior tenha sido a
carta pessoal e fraterna escrita ao aniversariante pelo Papa Francisco.
Nela, o Pontífice expressa o agradecimento e o reconhecimento por toda uma vida
a serviço da justiça e da inteligência, da fé e do amor.
Felizes oitenta, caríssimo amigo. É bonito ver você
continuando a dar frutos, desafiando o kronos e habitando plenamente
o kairos, tempo de Deus. Que Ele continue a abençoá-lo e a fazer de sua
vida um verdadeiro milagre de fecundidade!
Maria Clara Bingemer é teóloga, professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio, autora de de “Mística e
Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.
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