Por
Marcelo Barros
Essa
semana é marcada pelo aniversário dos 70 anos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, proclamada pela ONU. Nesse aniversário, é duro constatar que,
atualmente, o que está em jogo não é mais apenas esse ou aquele direito
reconhecido em 1948 e depois ignorado ou desrespeitado pela maioria dos
governos. Quase nenhum Estado reconhece o direito dos migrantes e refugiados. Uma
sociedade que visa apenas o lucro ignora o direito do trabalho. Atualmente, além
de, na prática, ignorar todos os direitos básicos das pessoas pobres e
carentes, a sociedade dominante simplesmente nega a grande parte da humanidade
o direito de ter direitos.
O
quadro internacional é inacreditável. A cada dia, no mundo, há mais de 4000
crianças que morrem por doenças devidas à falta de acesso à água potável e aos
serviços higiênicos. É um crime coletivo. Em vários continentes, milhões de
lavradores sem-terra passam fome. Um bilhão e 300 milhões de pessoas em idade
ativa não têm trabalho e vivem na insegurança para sobreviver e alimentar suas
famílias. E ainda sofrem o desprezo dos privilegiados. Ao mesmo tempo, 60
milhões de refugiados atravessam os oceanos ou percorrem territórios inóspitos
à procura de um lugar onde habitar. E são considerados "ilegais e
clandestinos".
Enquanto
isso, as grandes potências gastam a cada ano milhões de dólares em armamento e
em produção de guerras e forçam quase todos os países a segui-los. Por causa da
sua crescente tecnologia, a produção de armas e guerras se tornou um dos
setores econômicos mais lucrativos do mundo, depois da indústria farmacêutica,
de informática e de petróleo (sem falar nas drogas e no mercado de pornografia).
Nos últimos 30 anos, as nossas sociedades entregaram muito poder e deram todo
prestígio aos senhores das armas, aos senhores da vida e aos senhores da
inteligência artificial. Mas, sobretudo aos senhores do dinheiro que mandam nos
governos e ditam o futuro da humanidade.
Nesse
tipo de organização do mundo, não há lugar para direitos humanos, nem direitos
da natureza e da Terra. Tudo, os seres vivos, as pessoas e a própria vida se
tornam simples mercadoria. Na natureza, ao redor de 15 mil espécies vivas
desaparecem cada ano por causa de nossos modos de produção e de consumo
predadores.
Para
reagir a esse crime institucionalizado, a sociedade civil internacional e os
movimentos sociais de todo o mundo têm se unido para tentar outro caminho e
propor outras formas de organização para a humanidade. Além dos fóruns sociais,
dos encontros continentais e das organizações de trabalhadores, de povos
indígenas e outros segmentos, nessa semana, em Verona, na Itália, se ensaia uma
proposta nova de diálogo e ação comum que visa fortalecer uma Aliança da
humanidade pela Vida. Em diversos continentes, intelectuais e militantes
sociais se organizam no que tem sido chamado “Ágora dos Habitantes da Terra”.
A
proposta é dar a toda a humanidade as instituições necessárias e os meios para
assumir o poder de governar o seu futuro comum sobre bases pluralistas,
cooperativistas e participativas a partir das comunidades locais. O bem-viver
juntos e a segurança da existência são questões coletivas, comuns e
planetárias. Esse projeto se chama “Ágora dos/das Habitantes da Terra”. É um
projeto autônomo e espontâneo que
envolve pequenos grupos de pessoas ou associações decididas a se reunirem em um
percurso comum de conscientização e de reconhecimento da humanidade como
sujeito ator do futuro eco-integral (social-cultural, político, ecológico e
econômico) da vida da Terra e sobre a Terra. Também deseja atingir os atores
mundiais hoje reconhecidos, como são os Estados, as organizações
internacionais, as empresas multinacionais privadas e até os operadores
financeiros.
A
AHT é aberta a todos e todas. Deseja contar principalmente com representantes
das minorias, das pessoas excluídas, migrantes. Pede a participação do mundo
dos/das artistas, lavradores/as, operários/as, coletividades locais, assim como
do mundo da educação e dos meios de comunicação, da ciência e da tecnologia,
das cooperativas que continuam no caminho do cooperativismo.
Talvez
uma pergunta normal que muita gente se faça é sobre a participação das Igrejas
e religiões nesse processo. Originalmente, a fé em um plano divino para o mundo deveria levar as religiões e
Igrejas a serem as primeiras a se interessarem por esse tipo de iniciativa e
darem todo o seu empenho para a realização desse tipo de projeto. Infelizmente,
de fato, a participação de Igrejas e religiões ainda é pequena e inicial.
Para
quem é cristão, o termo grego “católico” significa ser chamado à
universalidade, isso é, aberto a tudo que é humano no mundo inteiro. Nos
evangelhos, Jesus proclamou como abençoadas de Deus (bem-aventuradas) as
pessoas que, em qualquer religião, ou fora delas, vivam a simplicidade de vida
(pobreza de coração), se consagrem à construção da paz, sejam solidários
(misericordiosos) e vivam verdadeira fome e sede de justiça (Mt 5, 1- 12).
Esses valores estão na base do caminho da Ágora dos/das habitantes da Terra,
para firmarmos uma Aliança da humanidade pela Vida.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros
publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da
Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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