Por Leonardo Boff
Dizem notáveis cosmólogos que tudo começou com um imenso
caos, o big bang. Matéria e antimatéria se chocaram. Sobrou ínfima porção de
matéria que deu origem ao atual universo. O caos foi generativo. Este ano
conhecemos também grande caos em todas as instâncias. Irrompeu o lado perverso
da cordialidade brasileira. Segundo Sergio Buarque de Holanda (Raizes do
Brasil, 5.capitulo) “a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto
que uma e outra nascem do coração”(p.107).
Nas eleições de 2018, o lado perverso da cordialidade ocupou
a cena: muito ódio, difamações, milhões de fake news, até a facada no candidato
Bolsonaro que acabou se elegendo presidente do país. Esse caos foi só
destrutivo não mostrou ainda ser generativo. E deve ser para não entrarmos num
beco sem saída.
Nunca em nossa histórica republicana tivemos um presidente de
extrema-direita, homofóbico, misógeno, inimigo declarado de homoafetivos,
quilombolas, ameaçador das reservas indígenas, promotor da venda generalizada
de armas, tendo como símbolo de campanha os dedos em forma de arma.
Descendente de italianos Sem Terra, chegados ao Brasil no
final do século XIX, pretende criminalizar o Movimento dos Sem Terra e dos Sem
Teto como terroristas. Os temas sensíveis da corrupção, do anti-PT, do resgate
dos valores tradicionais da família (mas Bolsonaro mesmo está já no terceiro
casamento) e da luta contra o aborto, foram temas que turbinaram sua campanha.
Algumas igrejas neo-pentecostais foram aliados fundamentais, máquinas de falsas
notícias.
O eleito mostra-se ignorante dos principais problemas
nacionais e mundiais. Tem uma leitura de caserna, fixada ainda nos tempos da
ditadura militar a ponto de declarar herói um famoso torturador Brilhante
Ustra. Escolheu ministros na contra-mão da história, negacionistas do
aquecimento global, com ideias bizarras como são os das Relações Exteriores , o
da Educação e o do Meio Ambiente. Alinhou-se subalternamente à política do
presidente Trump, conflitando com aliados históricos.
Diz introduzir uma nova política que de novo não possui nada.
Como diz um jovem filosofo que bem articula filosofia com política, Raphael
Alvarenga: ”A novidade consiste na combinação monstruosa de necropolítica,
lawfare, fundamentalismo religioso e ultraliberalismo econômico”.
O neoliberalismo econômico geral no mundo, ganhou aqui uma
forma ainda mais radical, pondo nossos “commons” à venda no mercado
internacional como o petróleo e a privatização de outros bens públicos.
O pacto social criado pela Constituição de 1988 foi rompido,
primeiro, com o discutível impeachment da presidenta Dilma Rousseff e depois
com a mudança das leis trabalhistas, com a negação da universal presunção de
inocência, com as arbitrariedades da PF, do MPF e não em ultimo lugar, com o
comportamento confuso e pouco digno do STF, ora muito leniente, ora excessivamente
severo, ora submetido ao controle militar pela presença de um general, assessor
do Presidente da Casa.
Vivemos de fato num Estado de exceção, pós democrático e
sem lei, como o denunciou em dois livros, com esse título, o juiz de direito do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rubens R.R. Casara. Boaventura de Souza
Santos, conhecido sociólogo português, afirma mais peremptoriamente: ”O sistema
jurídico e judicial criado para garantir a ordem jurisdicional é, nesse
momento, um fator jurídico de desordem; é uma perversão perigosa….O STF é uma
guerra social e institucional”.
O propósito dos que chegaram ao poder com seus aliados é
destruir o PT e seu líder Lula, preso político e refém, borrar da memória
popular as políticas sociais que beneficiaram milhões de pobres e permitiram a
milhares de destituídos, o acesso à universidade.
Corrupção houve no PT bem como em quase todos os partidos. Um juíz de primeira instância, Sérgio Moro, perseguidor, foi treinado nos USA para aplicar a lawfare (distorcer a lei para condenar o acusado). Foi de uma parcialidade palmar, denunciada pelos juristas nacionais e internacionais mais sérios.
Mas não sejamos ingênuos: a sonegação fiscal anual de mais de
500 bilhões de reais, sete vezes maior que a corrupção política,
revela o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Só com sua
cobrança dispensar-se-ia a Reforma da Previdência. Mas a oligarquia brasileira,
atrasada e anti-povo esconde o fato e a imprensa, cúmplice se cala.
Que podemos esperar? É uma incógnita. Por amor ao país e aos
condenados da Terra, as grandes maiorias enganadas e iludidas, desejamos que o
atual caos seja generativo e a cordialidade signifique benquerença para que a
sociedade já muito injusta não seja tão malvada.
Leonardo Boff é filosofo e teólogo e escreveu Brasil:
concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018.
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