Por Marcelo Barros[1]
Só o ser humano é
capaz de contar o tempo. Na natureza, há animais capazes de pressentir se vai
chover ou estiar. Ao despontar da madrugada, o galo canta. Ao mudar das horas,
o jumento relincha. No entanto, somente a humanidade faz história e, assim, faz
do futuro (aquilo que há de vir) possibilidade do novo. Há pessoas que pensam:
“o tempo resolve”. Infelizmente, isso não é verdade. A passagem do tempo não
acarreta por si mesma e mecanicamente mudança para melhor. O que faz o tempo
ser fecundo de algo novo é o amor. Celebrar o ano novo pode significar isso:
colher as sementes de bondade espalhadas na terra durante o ano passado e
garantir que sejam semeados novos brotos de paz e justiça.
Neste primeiro dia do
ano, o Brasil assistirá a posse do novo presidente da Republica e dos governos
estaduais, renovados ou reeleitos. Se, para a maioria dos brasileiros, esse
governo será bom ou se será péssimo, será responsabilidade não apenas dos que
foram eleitos, mas também das pessoas que os elegeram, sabendo quem são, o que
pensam e o que propõem para o país.
Provavelmente, vamos
precisar de um pouco mais de tempo e de distância histórica para compreender o
que agora estamos vivendo. Talvez, para quem tem fé ou também para quem se
declara ateu, o mais difícil será compreender porque bispos, padres e pastores
cristãos assumiram as posições que tomaram e deram o seu voto a alguém que,
publicamente, tomou posições opostas à paz, à justiça, aos direitos dos pobres
e à não violência, princípios claros do evangelho de Jesus.
No campo católico,
isso revela, ao menos, duas coisas.
1 - A primeira é que
há modos não só diferentes (o que seria válido), mas divergentes de interpretar
a fé e a missão entre grande parte do clero e as pastorais sociais. Diversos
bispos tomaram posição contrária aos padres mais lúcidos de sua diocese e
oposta a todas as pastorais sociais e mesmo às orientações mesmo tímidas e
discretíssimas da CNBB.
2 - Ficou claro que, em
muitas dioceses brasileiras, bispos e padres ainda não ficaram sabendo que,
desde março de 2013, o bispo de Roma, o papa Francisco, propõe uma Igreja em
saída e a serviço da humanidade, especialmente dos pobres. Não poucos bispos e
padres parecem ignorar isso, ou se sabem, mostram claramente que não concordam
e não querem seguir essa proposta.
Para nós e para todos
os brasileiros, esse ano pode ser novo e mais venturoso independentemente do
governo, aparentemente, escolhido pela maioria dos votantes. As Igrejas cristãs
costumam falar em “ano da graça de 2019”. Ele será isso porque os cristãos que
seguem o Cristo no caminho de sua encarnação no mundo atual não renunciarão ao
amor e à solidariedade. Não responderão ao ódio com ódio e à violência com
violência. Como, na época do Nazismo, afirmava a jovem judia Etty Hillesum no
campo de concentração: “Podem tirar de nós tudo, menos a humanidade”. E quem
enfrentou ditaduras passadas e repressões sabe que nenhum poder repressivo dura
para sempre.
Para quem tem fé, o
importante do tempo não é a contagem quantitativa, mas a sua densidade. A regra
beneditina ensina aos monges que o tempo nos é dado como “um prazo a mais para a nossa conversão”. Paulo escreveu à
comunidade cristã de Roma que “a
escuridão da noite quase passou e o dia está chegando. Devemos, então, ser como
pessoas que despertam na madrugada e organizam suas vidas não como quem vive na
escuridão da noite e sim à luz do dia (Rm 13, 13).
Esse apelo para “viver
à luz do dia” é um modo de dizer que temos de ser lúcidos (o próprio termo
lucidez vem de luz). Concretamente, isso significa aprimorar o espírito crítico
e refinar a consciência para saborear a vida como algo sempre novo. Assim,
fortalecemos a comunhão com os outros e com a natureza.
Sem dúvida, as
transformações sociais e políticas virão não de governos e sim da sociedade
civil e dos movimentos do povo organizado. Independentemente se o novo governo
respeita ou reprime, se valoriza ou combate as organizações da sociedade civil,
todos temos de lutar para que se obedeça à Constituição Brasileira e aos
direitos internacionais da sociedade civil.
Aos seus
contemporâneos, Jesus se lamentou: “Jerusalém,
Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que são enviados! Quantas
vezes, quis reunir os teus filhos e filhas, como a galinha junta os pintos
debaixo das asas e tu não quiseste?” (Lucas 13, 34).
Hoje, para nós,
inseridos nesse mundo como ele é, ele nos envia como ovelhas no meio de lobos,
com a missão de ensaiar e testemunhar pelo nosso modo de viver, que o reinado
divino no mundo está próximo e, de certo modo, já está presente. E isso, de
fato, torna esse ano novo.
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