Por
Marcelo Barros
Nesses
dias em que ainda ressoam em nossos ouvidos os votos de feliz ano novo,
precisamos nos colocar de acordo sobre como verdadeiramente suscitar um tempo
novo para a humanidade. Foi com essa consciência que, desde dezembro, grupos da
sociedade civil e pessoas responsáveis se reuniram para aprofundar algumas
decisões e propostas para o nosso futuro imediato.
Por
ocasião dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, diversas
redes de solidariedade como a Rede Global Diálogos em Humanidade, a organização
Arquipélago Cidadão dos Dias Felizes, a Rede Internacional pela Inovação Social
e Ecológica, a Ágora dos/das Habitantes da Terra e a Global Social Justice,
Bruxelles se reuniram e elaboraram um documento que chamaram de “Apelo às
Consciências”.
Esse
apelo afirma: “Nós, cidadãs e cidadãos de diversos povos da terra, temos
consciência do perigo mortal que pesa sobre o futuro de nossa humanidade comum.
De fato, um duplo distúrbio climático ameaça a vida no nosso planeta. O
primeiro se expressa ecologicamente pelo risco de que nossa mãe Terra se
converta em um “piso de vidro”, inabitável para um número cada vez maior de
pessoas. Se a temperatura da terra alcançar o limite de 4º C, isso afetaria a
mais de um bilhão de pessoas.
Se esse limite se exceder, será ainda pior. Esse
aquecimento leva ao agravamento de acontecimentos extremos, como inundações,
secas, incêndios, pragas, ciclones e tempestades. No entanto, as mudanças
climáticas têm outra face: o congelamento emocional e relacional expresso na ampliação
das desigualdades e no desprezo pelos mais pobres. Mais grave ainda é o fato de
que o medo de baixar na escala social gera uma luta mesmo entre as vítimas,
trabalhadores, sem-teto e migrantes... Alguém que sente a ameaça de perder o
pouco que lhe resta, teme que o outro ainda mais pobre lhe tome o lugar.
Por
sua cobiça, seu cinismo e sua desigualdade, o fundamentalismo de mercado deu
origem a um duplo monstro: o fundamentalismo por identidade, que pode assumir
formas religiosas, nacionalistas, xenófobas e outras. Pode se expressar tanto
pelas armas, como pelas urnas. A chegada ao poder de indivíduos que representam
uma ameaça não somente à democracia e aos direitos humanos, começando pelos
direitos das mulheres, mas também aos equilíbrios ecológicos, é uma
manifestação perigosa desse fundamentalismo. Nas Filipinas, Hungria, Estados
Unidos, Itália, Brasil, Colômbia, Equador e outros países, forças social e
ambientalmente injustificáveis, ameaçam a humanidade no que é mais essencial:
viver em paz em um planeta habitável.
Hoje,
a instrumentalização de meios de comunicação e a manipulação de informações nas
campanhas eleitorais podem fazer com que,
como aconteceu nos anos 30 (com a ascensão de Hitler e do Nazismo),
pessoas irresponsáveis e criminosas possam chegar ao poder, amparando-se em
formas aparentemente legais, aproveitando o cinismo de alguns e o medo e a
covardia de outros.
Diante
dessa realidade, nós nos negamos a ceder ao medo e a tolerar passivamente a
expansão desse perigo mortal. Vamos organizar uma resistência criativa em todas
as partes, baseada na rejeição da regressão social, da irresponsabilidade
ecológica e do desprezo dos direitos humanos fundamentais.
Devemos
declarar ilegítimo qualquer tipo de poder que não cumpra os três pilares essenciais
da convivência da humanidade em um planeta protegido: a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, os pactos sociais das Nações Unidas as convenções
internacionais destinadas a assegurar a sustentabilidade do planeta e a luta
contra as mudanças climáticas. Nós nos negaremos, através de todos os meios não
violentos que estiverem ao nosso alcance, incluindo boicotes, desobediência
civil contra a a autoridade ilegítima a nos deixarmos dominar ou intimidar por
esses poderes. Sempre que seja possível, criaremos territórios-refúgios para as
vítimas desses poderes e oásis de vida para enfrentar os desertos de morte que
fabricam esses males (regressão social, irresponsabilidade ecológica e violação
dos direitos humanos).
Nós
nos comprometemos em nos organizar mais e melhor nessa resistência criativa,
mas também em vivermos desde já os valores econômicos, ecológicos, sociais,
políticos e culturais de uma sociedade do Bem-viver. Convocamos todos os
companheiros e companheiras para que, a partir dos bairros de nossas cidades e
dos povoados do campo, possamos nos conectar e assim nos unir entre nós e à
nossa Mãe Terra”.
Que
esse apelo às consciências e aos nossos grupos organizados possa ser o convite
que escutamos, vindos da humanidade e em nome do Amor que as pessoas que creem
chamam de Deus. Que esse apelo nos uma e nos mobilize por um mundo novo
possível.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros
publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da
Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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