Por Marcelo Barros
A cada ano, no dia 30
de janeiro, a Índia e o mundo inteiro recordam o martírio do Mahatma Gandhi e sua
vida consagrada à paz e à justiça. É
mais urgente valorizar a herança que Gandhi nos deixou nesses tempos nos quais
governos e setores da sociedade internacional refazem campos de concentração
para aprisionar migrantes. A herança de Gandhi precisa ser recordada quando a
sociedade dominante convive com um presidente norte-americano que acha normal
perseguir e prender crianças menores de seis anos de idade, afastando-os dos
seus pais. No Brasil militarizado e no qual se abre a temporada de caça aos
índios, aos lavradores e aos movimentos de direitos humanos, é imprescindível valorizar a inestimável herança que Gandhi
deixou para a humanidade.
Infelizmente, mais de
70 anos depois do martírio de Gandhi, o mundo atual não está mais tolerante.
Menos ainda do que no passado, a nossa sociedade se dispõe a ser um espaço de
convivência nas diferenças. Ao contrário, tem se revelado mais intransigente e
violenta.
Na América do Sul,
tornou-se mais feroz e cruel a intensa e permanente perseguição do Império e
das elites a ele submetidas a quaisquer governos que ousem contestar a
hegemonia do Capitalismo internacional e do governo dos Estados Unidos no
continente. Depois de 60 anos, o bloqueio econômico e social a Cuba se revelou
fracassado e contraproducente mesmo para os interesses do Império. Mesmo assim,
ele foi refeito para a Venezuela, esmagada por uma guerra de publicidade
desonesta e violenta. O governo, eleito pela maioria dos cidadãos, em eleições
que os organismos internacionais sempre consideraram democrática e válida, é
chamado de ditatorial. Todos os dias, a imprensa chama o bolivarianismo de
comunismo violento e atrasado.
Todos sabem que Simon
Bolívar foi um jovem venezuelano que no inicio do século XIX formou um exército
de índios e negros para libertar os países latino-americanos do domínio
espanhol e das injustiças internas como a escravidão e a miséria de tanta
gente. Bolívar propunha fazer de toda a América do Sul uma única “pátria
grande”, livre e solidária. Para isso, propunha uma revolução baseada na
educação para todos e no reconhecimento dos direitos civis e igualdade de todos
os cidadãos, índios, negros e lavradores. Foi esse processo que, na Venezuela,
o presidente Hugo Chávez chamou de “revolução bolivariana”. Durante o governo
de Rafael Correa, no Equador, se considerava a “revolução cidadã”. Até hoje, na
Bolívia, inspira a “revolução indígena”. Nesses países e em outros, esse
caminho tem se dado através dos instrumentos democráticos das eleições e da
discussão de novas constituições que garantam os direitos de todas as pessoas e
grupos até aqui marginalizados. É um processo baseado nas culturas ancestrais
dos povos indígenas e com a participação de muitas comunidades cristãs de base.
Na América Latina, esse caminho tem assumido como método a não violência de
Gandhi e o exemplo de muitos homens e mulheres que consagram a sua vida pela
justiça e pela libertação dos povos no caminho da paz. Na Argentina, Adolfo
Perez Esquivel, escultor e ativista cristão pelos Direitos Humanos, recebeu o
prêmio Nobel da Paz. Também, em 1992, Rigoberta Menchu, índia Maya da Guatemala
foi agraciada com o mesmo prêmio por sua luta pacífica pela libertação do seu
povo e sua mensagem de esperança para todo o continente.
É nesse contexto que
precisamos lembrar a luta pacífica do Mahatma Gandhi através da Satyagraha, o caminho da verdade e ahimsa, a não violência. Além de trazer
para a Índia a independência política, Gandhi inspirou líderes como o bispo
Desmond Tutu e Nelson Mandela na África do Sul. Também motivou o pastor
Martin-Luther King na luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos. No
Brasil dos anos 60 e 70, todo o trabalho de Dom Hélder Câmara por uma
insurreição evangélica a partir da justiça e da paz, se apoiava na
espiritualidade da não violência.
Assim, a herança de Gandhi
ainda mobiliza milhares de pessoas e comunidades em todo o mundo. Seus pensamentos
ainda nos iluminam de esperança e propõem um novo modo de agir: “Comece por você mesmo a mudança que propõe
ao mundo”. “Você pode se considerar
feliz somente quando o que pensa, diz e o modo como age estiverem em completa
harmonia”. Aí está uma profunda indicação de caminho.
Quem é cristão se
recorda de que a busca de uma vida que seja verdadeira e plenamente vivida e
para todos e todas é o objetivo pelo qual Jesus de Nazaré define a sua missão:
“Eu vim para que todos tenham vida e vida
em abundância” (Jo 10, 10). Essa certeza de que conta com a inspiração do
Espírito Divino é o que fortalece os movimentos sociais e a sociedade civil mais
consciente, organizada em fóruns e ágoras sociais. É isso que nos faz
perseverar no caminho. As intuições e o caminho das comunidades e dos
movimentos sociais partem das necessidades do mundo deste início do século XXI.
Respondem à urgência de construir um novo mundo necessário e possível na
comunhão com todos os seres vivos. Em sua luta, índios, lavradores e movimentos
sociais podem se considerar, sem dúvida, herdeiros fieis do Mahatma Gandhi e
profetas da humanidade atual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário