Por Frei Betto
Feliz
Ano Novo a quem alarga o horizonte da utopia e espelha a diversidade de gênero
nas cores do arco-íris. E aos que proclamam a soberania do amor como lei
irrevogável.
Feliz Ano
Novo a quem teme sombras de coturnos e aos que se atrevem a ressoar a
voz de quem a exclusão silencia, para que também tenha vez.
Feliz Ano Novo aos que
livram a democracia de suas algemas liberais e insistem que ela também floresça
lá onde a economia impõe a afronta de poucos terem muito e muitos sobreviverem
com quase nada.
Feliz Ano Novo aos
artistas que fazem da palavra eco de esperança e desnudam, com suas obras,
os figurinos da hipocrisia que encobrem a realidade.
Feliz Ano Novo a quem se
recusa a beber a cicuta do ódio à espera de que outros morram. E aos que
reverenciam a alteridade como ponte que separa a diferença da divergência.
Feliz Ano Novo aos
alpinistas da solidariedade, que escalam confiantes a montanha da indiferença
para desfraldar, no topo, a bandeira da ontológica sacralidade de cada ser
humano.
Feliz Ano Novo a quem é
capaz de enxergar os fenômenos sociais além dos efeitos, e reconhece que
entender o capitalismo não requer estudos nem decifrar os índices do mercado.
Basta sair à rua e ter cuidado de não pisar nos pedintes estendidos pelas
calçadas.
Feliz Ano Novo a quem não
divorcia liberdade de justiça e não se refugia em sua ilha de conforto cercada
de egoísmo mórbido. E a quem se irmana a todos que lutam para que o pão nosso
não seja apenas um verso da oração ensinada por Jesus.
Feliz Ano Novo aos que se
despem de toda arrogância para desinvisibilizar aqueles que, na loteria
biológica, não mereceram o prêmio de uma vida digna. E a quem desconsidera
privilégio ter mais alimentos que apetite, e faz disso uma dívida social.
Feliz Ano Novo a quem
cultiva seu jardim de valores éticos e ousa abdicar de todo poder capaz de
fomentar opressão, discriminação e sofrimento.
Feliz Ano Novo a quem
guarda a memória do passado sombrio e não permite que se apaguem as luzes do
alvorecer democrático. E a todos que reforçam os laços das demandas populares e
tornam ensurdecedor o grito parado no ar.
Feliz Ano Novo a quem não
renuncia ao riso nem se deixa abater pelas diatribes do terror. E a todos que
impedem que a noite devore o dia, o sol seja engolido pelos buracos negros, e a
liberdade trocada pela segurança.
Feliz Ano Novo aos que
ousam apontar que o rei está nu e se empenham em arrancar-lhe a coroa. E a quem
anuncia aos quatro ventos que não há súditos, somos todos majestades.
Feliz Ano Novo a quem
guarda saudades do velho e se paralisa diante da pedra no caminho. E a todos
que descobriram que o contrário do medo não é a coragem, é a fé.
Feliz Ano Novo a todos
que se sabem habitantes de um minúsculo planeta situado em uma
pequena galáxia do Pluriverso e, por isso, aprenderam a recolher as asas
da afetação. E a quem garimpa a própria subjetividade em busca de preciosidades
inefáveis.
Feliz Ano Novo a todos
que desnaturalizam a desigualdade social e se sentem tocados pelo dor alheia. E
a quem se desassossega perante os arautos da fatalidade e se soma aos
iconoclastas do mercado.
Feliz Ano Novo a todos
que, conscientes de que o humano vem com defeito de fabricação e prazo de
validade, se despem da empáfia e contabilizam seus erros como lições no rumo da
transparência.
Feliz Ano Novo a quem
sabe que a fonte da felicidade é fazer os outros felizes. E que um dia abracem
esta verdade todos que atropelam os semelhantes com a sua soberba, seus
preconceitos e sua voracidade de prazeres. Empanturrados de si mesmos,
ignoram que o melhor roteiro turístico é o que nos faz viajar para mergulhar
nas aventuras do espírito. No avesso de si, então se encontra o dom do outro. O
resto é silêncio.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do silêncio”
(Rocco), entre outros livros.
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