Por Marcelo Barros
Na
próxima segunda-feira, a humanidade celebrará os 70 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Desde que, no 10 de dezembro de 1948, a
assembleia geral da ONU, constituída por representantes de 190 países, assinou a
declaração e se comprometeu em defender esses direitos, a humanidade caminhou
muito. No entanto, cada vez mais, os Direitos Humanos são temas de discursos,
mas não de práticas que efetivamente garantam a salvaguarda desses direitos.
Atualmente,
a maioria da população mundial não tem reconhecidos os seus direitos humanos. Os
impérios usam o tema dos direitos humanos como arma política para defender
interesses colonialistas e para legitimar práticas opressivas
contra os pobres e os que querem transformar o mundo. Governos de países da
Europa e também dos Estados Unidos desrespeitam os direitos dos migrantes e
refugiados, contrariamente à lei que os seus países assinaram em 1948. No
Brasil, foram eleitos para o governo federal e para Estados como Rio de Janeiro
e São Paulo homens que aceitam direitos humanos apenas para humanos direitos, ou que eles consideram cidadãos direitos. Os outros (e aí há muitas categorias incluídas nesses
diferentes: negros, homoafetivos e até pessoas de religiões que não são as
deles) não seriam sujeitos de direitos. Esses governantes afirmam isso com toda
naturalidade e agem assim, com a cumplicidade dos meios de comunicação, das
elites que os apoiam e de muita gente do povo, simples e desinformada.
O discurso dos direitos humanos tem sido usado
e manipulado para justificar invasões colonialistas, guerras que escondem
interesses econômicos e esmagar pretensões liberacionistas. Por isso,
intelectuais como Boaventura de Sousa Santos têm falado em que devemos lutar por
“direitos humanos anti-hegemônicos”.
A declaração de 1948 só contempla direitos individuais e do Estado. Ali não
existe a humanidade, nem grupos como povos originários e tribos espalhadas por
vários países. No decorrer desses anos, a ONU assinou acordos sobre a defesa
das crianças, dos asilados, dos ciganos, dos povos indígenas e assim por
diante. No entanto, mesmo com esses tratados, a realidade do mundo tem piorado
cada vez mais. Diariamente morrem mais de 4000 crianças, por doenças devidas à
falta de acesso à água potável e aos serviços higiênicos. Milhões de lavradores
sem-terra passam fome. Um bilhão e 300 milhões de pessoas em idade ativa não
têm trabalho e vivem na insegurança de como sobreviver. 60 milhões de
refugiados atravessam os oceanos ou desertos, à procura de um lugar onde viver.
Ao mesmo tempo. a produção de armas e guerras se tornou um dos setores
econômicos mais lucrativos do mundo, depois da indústria farmacêutica, de
informática e de petróleo, sem falar nas drogas e no mercado de pornografia.
As
classes dominantes não creem na igualdade entre os seres humanos diante do
direito à vida. Argumentam que as desigualdades são o preço a pagar para o
progresso, o crescimento econômico e a riqueza das nações ditas desenvolvidas.
Atualmente, além dos direitos humanos,
defendemos os Direitos da Terra e do Cosmos. Também, a Terra, as águas, os
animais e as plantas precisam ser cuidados e defendidos. Não podemos tratá-los
como se fossem meras mercadorias. Conosco eles formam uma grande teia de relação
que é como uma comunidade: a comunhão da vida. Esse modo de viver e compreender
a vida e os direitos humanos faz parte de uma cultura amorosa que chamamos de Espiritualidade
integral ou cósmica. Não podemos continuar permitindo que, a cada ano, mais de 15
mil espécies vivas desapareçam, por
causa de modos de produção e de consumo predadores.
Ao
privilegiarem a relação amorosa com a terra, a cura das doenças e o equilíbrio
da vida, as tradições indígenas e afrodescendentes revelam a mesma raiz ética e
espiritual. De uma forma ou outra, todas
as religiões reconhecem: o divino só pode ser encontrado realmente no humano e
na relação com toda a natureza. A espiritualidade, seja religiosa ou não, faz
da defesa dos direitos da humanidade e dos seres vivos um método de intimidade
com o Divino, presente no mundo. No século II, Irineu, pastor da Igreja de
Lyon, ensinava: “Como você poderá
divinizar-se se ainda nem se tornou humano? Antes de tudo, garanta a condição
de ser humano e, assim, poderá participar da glória divina”.
MARCELO BARROS é
monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O
Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email:
irmarcelobarros@uol.com.br
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