Por Leonardo Boff
A dimensão do feminino não é
exclusiva das mulheres, pois tanto homens quanto mulheres são portadores, cada
um na sua modalidade própria, do masculino e do feminino. Tomás de Aquino na
Suma Teológica já na sua primeira questão ao abordar o objeto da teologia,
deixava claro que ela pode abordar qualquer tema, desde que o faça à luz de
Deus. Caso contrário perderia sua pertinência. Portanto, cabe perguntar acerca
do sacerdócio das mulheres, realidade que lhe foi negada na Igreja
romano-católica. E considerar as boas razões teológicas que garantem sua
conveniência.
O assim chamado “depósito da
fé”, vale dizer, a positividade cristã não é uma cisterna de águas mortas. Ela
se reaviva confrontando-se com as mudanças irrefreáveis da história como é o
caso suscitado pelo Sínodo da Amazônia.
Assim no mundo todo,
verifica-se cada vez mais a reafirmação da paridade da mulher, em dignidade e
direitos, com o homem. Compreensivelmente não é fácil desmontar séculos de
hétero-patriarcalismo que implica diminuir e marginalizar a mulher. Mas lenta e
consequentemente as discriminações vão sendo superadas e, em certos casos, até
punidas. Na prática, todos os espaços públicos e as mais diversas funções estão
abertas às mulheres. Vale isso também para o sacerdócio para as mulheres dentro
da Igreja romano-católica? Nas Igrejas evangélicas, na anglicana e também no
rabinato, as mulheres foram admitidas na função antes reservada só aos homens.
A Igreja romano-católica,
nos estratos da mais alta oficialidade, até recente data, se recusava sequer
colocar a questão especialmente sob o Papa João Paulo II. Ela ficou refém da
secular cultura hétero-patriarcal. Mas não pode se transformar num bastião de
conservadorismo e anti-feminismo num mundo que avança rumo à riqueza da
relacionaliade homem e mulher. O Papa Francisco tem o mérito de colocar as
questões pertinentes do mundo de hoje, como a questão da moral matrimonial e o
tratamento para com os homoafetivos, o sacerdócio para homens casados e outras
minorias.
Como afirmava uma feminista
ainda no século passado A.van Eyde:”O bem do homem e da mulher são
interdependentes. Ambos ficarão lesados se, numa comunidade, um deles não puder
contribuir com toda a medida de suas possibilidades. A Igreja mesma ficaria
ferida em seu corpo orgânico se não desse lugar à mulher dentro de suas
instituições eclesiais”(Die Frau im Kirchenamt, 1967, p. 360).
A minuciosa pesquisa de
teólogos e teólogas, do mais alto gabarito, como Karl Rahner entre outros, tem
demonstrado que não há nenhuma barreira doutrinária e dogmática que impeça o
acesso do sacerdócio às mulheres.
Em primeiro lugar, importa
recordar que há um só sacerdócio na Igreja, aquele de Cristo. Os que vêm sob o
nome de “sacerdote”, são apenas figurações e representantes do único sacerdócio
de Cristo. Sua função não pode ser reduzida, como sustenta a argumentação
oficial, ao poder de consagrar. Toda a vida de Cristo é sacerdotal, vale dizer,
apresentou-se como um ser-para-outros, defendeu os mais vulneráveis, também
mulheres, pregou fraternidade, reconciliação, amor incondicional e perdão. Não
é só na última Ceia que se se mostra sacerdote, mas em toda a sua vida, vale
dizer, um criador de pontes e de reconciliação.
A função do sacerdote
ministerial não é acumular todos os serviços, mas coordená-los para que todos
sirvam à comunidade. Pelo fato de presidir a comunidade, preside também a
eucaristia. Esse serviço (que São Paulo chama de “carisma” que são muitos) pode
muito bem ser exercido pelas mulheres como se mostra nas igrejas não
romano-católicas e nas comunidades eclesiais de base.
E haveria razões das mais
convenientes que fundamentam tal ministério por parte das mulheres.
Em primeiro lugar, a
primeira Pessoa divina a vir ao mundo foi o Espírito Santo que assumiu Maria
para gerar em seu seio a segunda Pessoa, o Filho encarnado, Jesus Cristo. O
Filho só veio depois do “fiat”(o sim) de Maria.
Seguiam Jesus não apenas
Apóstolos e discípulos, mas também muitas mulheres que lhe garantiam a
infra-estrutura. Elas nunca traíram Jesus, o que não se pode dizer dos Apóstolos,
especialmente do mais importante deles, Pedro. Após a prisão e a crucificação
todos fugiram. Elas ficaram ao pé da cruz.
Foram elas que, por
primeiro, numa atitude genuinamente feminina, foram ao sepulcro para ungir o
corpo do Crucificado. O maior evento da fé cristã, a ressurreição de Jesus, foi
testemunhado primeiramente, por uma mulher, Maria Madalena, a ponto de São
Bernardo dizer que ela foi “apóstolo”para os Apóstolos.
Se uma mulher, Maria, pôde
dar à luz a Jesus, seu filho, como não pode representá-lo sacramentalmente na
comunidade? Aqui há uma contradição flagrante, só compreensível no quadro de
uma Igreja hétero-patriarcal, masculinista e composta de celibatários,
responsáveis pela direção e pela animação da fé.
Logicamente, o sacerdócio feminino
não pode ser a reprodução daquele masculino. Seria uma aberração se assim
fosse. Deve ser um sacerdócio singular, com o modo de ser da mulher com tudo o
que denota sua feminilidade no plano ontológico, psicológico, sociológico e
biológico. Não será a substituta do padre. Mas conformará o sacerdócio a
seu modo próprio.
Tempos virão em que a Igreja
romano-católica acertará seu passo com o movimento feminista mundial e com o
próprio mundo, rumo a uma integração do “animus” e da “anima” para o enriquecimento
humano e da própria Igreja.
Somos, pois, a favor do
sacerdócio conferido às mulheres dentro da Igreja romano-católica, escolhidas e
preparadas a partir das comunidades de fé. Cabe a elas dar-lhe uma configuração
especifica, diversa daquela dos homens.
Leonardo Boff é teólogo,
filósofo e escreveu com Rose-Marie Muraro, Feminino-Masculino: uma
nova consciência para o encontro das diferenças, Record, 2010.
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