Por Marcelo
Barros
Uma
notícia ainda restrita à comunicação entre amigos na internet revela que 200 exemplares de um livro enviados do Uruguai
para o Brasil, embora estejam com toda a papelada correta e notas fiscais em
ordem, estão retidos na alfândega brasileira. O motivo seria o conteúdo dos
livros. Trata-se de um documento feito a partir de consultas às diversas
comunidades de bases e organizações da região amazônica sobre a realidade e os
desafios da Vida na Amazônia. O documento, elaborado por teólogos/as,
especialistas de várias áreas de estudo, tem como objetivo servir de subsídio à
reunião dos bispos católicos em preparação ao sínodo mundial, convocado pelo
papa Francisco, em Roma para o mês de outubro sobre a Amazônia. Tudo indica uma
censura das autoridades brasileiras, o que configura uma postura de ditadura
cada vez menos disfarçada.
A notícia
de uma censura sobre o Sínodo pode aguçar a curiosidade sobre porque o governo
estaria censurando tal documento. Para responder a tal questão, podemos ler
esse e outros documentos preparatórios nos sites de organizações como
Amerindia, uma organização de teólogos/as cristãos de todo o continente e REPAM (Rede Eclesial Pan-amazônica).
O que
descobrimos ali é que o tema do Sínodo dos Bispos liga a Amazônia, o desafio da
Ecologia Integral e a Missão das Igrejas na região. Há informações importantes
que podem ser resumidas aqui. O texto afirma:
“A
Amazônia é um território que se espalha por nove países: Brasil, Colômbia,
Equador, Peru, Bolívia, Venezuela, Suriname, Guiânia e Guiânia Francesa. Tem
quase 8.000.000 de Km 2 que formam um bioma, sistema vivo de interações
orgânicas, essenciais para o equilíbrio do planeta. Nessa região, vivem 35
milhões de pessoas, espalhadas pela floresta, margens dos rios, campos e
grandes cidades. Quase três milhões pertencem a povos originários que falam 340
línguas diversas. Eles se relacionam harmoniosamente com a natureza, com os
outros humanos e com o Mistério último da Vida que muitas religiões chamam de
Deus. Esses povos formam comunidades, agredidas em sua ligação com a Terra, em
seus valores espirituais e chamam as pessoas de bem a combater a exploração que
destrói o planeta e submete a humanidade a desigualdade sempre crescente.
Cada metro
quadrado do bioma Amazônia tem mais diversidade que qualquer outro lugar do
planeta. Essa imensa diversidade de vida garante ao seu povo alimentos,
medicamentos, azeites e outras dádivas que nem se podem calcular. O bioma
regula a distribuição de chuvas por todo o território brasileiro e pelo
Uruguai, Argentina e Paraguai. A água em forma de vapor cria o que se chama
“rios voadores”, levados pelos ventos até o sul. Assim, abastecem de chuva
praticamente todo o Brasil.
Basta saber disso para nos darmos conta de que
assim como todos os biomas são essenciais para a vida, a preservação e a defesa
da Amazônia é fundamental para o equilíbrio do clima de toda a Terra. A própria
vida no planeta, mas especialmente o clima em todo o Brasil depende da
preservação da floresta amazônica e do cuidado com seu bioma frágil.
Quando o
lucro é colocado acima de tudo, a sanha de destruir a natureza fica incontrolável.
A terra, as águas e a floresta se tornam mercadorias a serem vendidas e
compradas de acordo com a conveniência econômica dos seus pretensos
prioritários. De acordo com estatísticas confiáveis, nos últimos dois anos, a
destruição da floresta amazônica aumentou desordenadamente.
A ecologia
integral não trata só do ambiente, da fauna e da flora. É um olhar holístico
sobre as relações em nossa casa comum. Ecologia integral é uma forma de
compreender a vida. Envolve pensamento, política, programa educativo, estilo de
vida e amorosidade na relação com a natureza e com a sociedade humana. Essa
relação de solidariedade e amor como postura social e política tem sido chamada
por espiritualidade como atitude antropológica, mais do que como expressão
religiosa. Ela se fundamenta na cultura tradicional dos povos, mas também em
uma nova forma de olhar a Terra, as águas e toda a comunidade da Vida. Assim,
sendo a Ecologia Integral implica diálogo entre a ecologia ambiental,
econômica, social, cultural e da vida cotidiana. Considera os princípios éticos
do bem comum e a justiça entre as gerações. Integra a justiça para escutar
tanto o clamor da Terra, quanto o clamor dos pobres. Conforme a carta do papa
Francisco sobre o cuidado da casa comum (Laudato sii) e o pensamento de
estudiosos de todo o mundo, passar de uma compreensão convencional de ecologia
para a vivência da ecologia integral implica conversão para assumir que tudo
está relacionado (LS 216- 221). Esse modo de compreender a vida, baseado na
sabedoria ancestral dos povos amazônicos, busca soluções integrais que unam os
sistemas naturais e a realidade social. A crise é uma só: sócio-ambiental. A
solução exige a luta contra a pobreza e o cuidado com a natureza. Tudo está
interligado.
A grande
variedade de povos que habitam na Amazônia depende de que se detenha o modelo
de desenvolvimento depredador. Os povos em sua sabedoria, criaram sistemas
produtivos rentáveis, sem derrubar a floresta (açaí, cupuaçu, castanha, peixes,
etc). O que destrói o bioma é a monocultura (soja, gado, mineração). Também não
serve o chamado “Capitalismo verde” que se rege pelas leis do mercado e
transforma em mercadoria o que a natureza nos dá de graça. O Mahatma Gandhi já
dizia que a terra, com suas florestas e suas áreas verdes preservadas, é
suficientemente grande e maternal para alimentar toda a humanidade, mas nunca
bastará para saciar a ambição da pequena porção de seres humanos que faz do
lucro e da ganância a sua divindade. Para quem é cristão, o Evangelho adverte:
“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24).
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