Por Marcelo
Barros
A sociedade contemporânea é marcada
pela diversidade cultural e por seu caráter laical. Isso é bom e necessário
para uma boa convivência de todos. De fato, não há sentido em uma religião
querer dar normas morais ou pretender dominar a sociedade. No entanto, muitas
vezes, o caráter laical da sociedade tem como expressão a tendência de
restringir a religião ao âmbito privado da consciência de cada um. Isso vai
contra a natureza de todas as religiões antigas que vêm de sociedades gregárias
e se expressam sempre em formas comunitárias. Uma sociedade pluralista pode ser
laica sem ser anti-religiosa e deve se abrir a todas as dimensões culturais dos
diversos grupos, inclusive suas expressões religiosas. O importante é que todos
os grupos religiosos se respeitem uns aos outros e se insiram na sociedade como
colaboradores das melhores causas da humanidade.
No caso das Igrejas cristãs, a
proposta do evangelho é que os discípulos e discípulas de Jesus sejam
testemunhas de que Deus tem para o mundo um projeto de paz, justiça e comunhão
com o universo. Para isso, devem se inserir na sociedade e participar como
cidadãos da luta pela vida e atuar junto com todos/as em prol da justiça, paz e
cuidado com a natureza.
Desde os seus inícios, a cultura
judaico-cristã é marcada pela memória do Êxodo. Nela a intuição da presença
divina vem como Palavra que chama quem é escravo a se libertar. Deus não é mais
visto como quem nos eleva da terra ao céu e sim como energia de libertação que
nos chama a transformar o mundo. Não legitima o poder e sim subverte e
transforma as sociedades. Dentro dessa tradição profética, surge Jesus de
Nazaré como testemunha do projeto divino de um mundo transformado. Segundo os
evangelhos, ele chama isso de “reino de
Deus” ou reinado divino.
Conforme os evangelhos, para mostrar
esse programa divino, pouco a pouco, emergindo no mundo, Jesus propõe tirar do
tesouro da fé coisas novas e velhas (Mt 13). E o mais revolucionário: propôs
nova forma de crer e de falar de Deus, como Pai e Mãe de ternura, Amor,
presente em nós e solidário aos/as oprimidos/as e excluídos/as do mundo.
Afirmou ter sido possuído pelo Espírito de Deus (O Espírito veio sobre mim e me enviou) para curar os doentes,
libertar os prisioneiros e anunciar aos pobres e oprimidos a boa notícia da
libertação (Cf. Lc 4, 16- 21). Só que a libertação não seria só para um povo
(os judeus) nem para uma religião (a sinagoga), mas para todos os humanos,
especialmente os “de fora” (Lc 4, 25-
30). Os religiosos da época de Jesus e de todos os tempos têm dificuldade de
aceitar esse amor que não tem fronteiras. Para vivenciar essa novidade, Jesus
reuniu um grupo de amigos e amigas que, depois do seu desaparecimento, se
constituíram como movimento dentro do Judaísmo para abrir as comunidades do
Espírito ao mundo inteiro, independente de raça e religião.
Inspiradas em Jesus, ainda no século I
da nossa era, nasceram as Igrejas. Igreja é um termo grego que significa
assembleia. Nas periferias de cidades do mundo grego, as comunidades de
discípulos e discípulas de Jesus tomam o seu nome (Ekkesia: Igreja) das
assembleias de cidadãos das cidades gregas e se constituem como novas e
revolucionárias assembleias de pobres e de não cidadãos do império (paroiké era
o termo pelo qual eram chamados). Ora, segundo a Lei Júlia (44 A.C), no Império
Romano, todas as religiões eram permitidas, mas não as associações de pobres e
trabalhadores. Mesmo assim, as Igrejas se constituíram, resistiram a
incompreensões e mesmo algumas perseguições por parte de autoridades do império
e se firmaram no mundo antigo. No início, cada comunidade ou Igreja tinha seu
estilo cultural, sua organização e sua forma de expressar a fé. A maioria das
comunidades eram constituídas por pessoas pobres que na Igreja tinham
reconhecida a sua dignidade e ali ensaiava um jeito novo de viver a partir da
igualdade e da comunhão de bens. Essa abertura à realidade fez com que as
comunidades cristãs, pouco a pouco, até sem se darem conta, foram absorvendo as
culturas dos locais onde se inseriam e foram assumindo alguns elementos das
antigas religiões do Império, como o sacerdócio compreendido como classe de
homens sagrados e o culto como expressão de sacrifício oferecido a Deus.
Na Igreja Católica, há sete anos,
temos um bispo de Roma, patriarca das Igrejas de tradição latina, que,
diferentemente dos papas anteriores, insiste no diálogo humilde e
despretensioso com a humanidade. Dá prioridade às pessoas sem terra, sem teto e
sem trabalho. Propõe uma Igreja em saída,
isso é, que bispos, padres e fieis se desloquem dos centros de poder que criam
revoluções digitais que excluem a maior parte da humanidade para o mundo dos
pobres e excluídos. Em sintonia com o papa, as pastorais sociais católicas e
evangélicas cultivam uma espiritualidade sócio- libertadora. Assim, o caminho
da intimidade com o Espírito se dá na caminhada social e política por um novo
mundo possível. É nas lutas sociais e na inserção em meio aos pobres que as
comunidades eclesiais de base e militantes de pastorais sociais experimentam a
presença do Amor Divino conduzindo e transformando suas vidas pessoais, à
medida que transforma as estruturas do mundo. Uma Igreja cristã deveria ser
ensaio de uma sociedade nova alternativa, baseada na justiça, na paz e na
comunhão com a Terra e com a natureza.
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