Por Padre Francisco Aquino Júnior
A quaresma é um tempo marcado pelo chamado à conversão: volta ao Senhor, adesão ao seu Evangelho,
mudança de vida. E essa conversão é tanto pessoal (conversão do coração),
quanto social (transformação da sociedade). Ela se concretiza no modo de
pensar/sentir/agir de cada pessoa e no modo como cada pessoa se relaciona com
os outros e reage ao que acontece na sociedade. Não há verdadeira conversão com
indiferença aos outros e à sociedade. Menos ainda com cumplicidade com qualquer
forma de injustiça, preconceito, violência. Ela exige compromisso com uma
economia a serviço da vida, com uma política voltada para o bem comum e os
direitos dos pobres e marginalizados, com uma cultura do encontro, do diálogo,
da solidariedade e da promoção dos direitos humanos. Esse é o sentido e a razão
de ser de uma Campanha da Fraternidade no período da quaresma: recordar que a
conversão é tanto pessoal quanto social; convocar não apenas à conversão do
coração, mas também à transformação da sociedade. Ela não nos desvia do
espírito quaresmal, mas favorece sua vivência integral: pessoal e social.
A Campanha da Fraternidade acontece desde 1964. A cada ano chama a
atenção para um aspecto ou problema da sociedade que exige conversão/mudança. O
tema desse ano é “Fraternidade e Educação”. É a terceira vez que aparece o tema
da educação. Em 1982, no contexto de redemocratização da sociedade e fim da
ditadura militar, destacava-se a importância da educação no processo de
libertação: “A Verdade vos libertará”. Em 1998, no contexto das lutas sociais
por direitos, destacava-se o problema do analfabetismo e a educação como
direito fundamental do ser humano e dever da sociedade: “A serviço da vida e da
esperança”. Em 2022, num contexto de polarizações, intransigências, violência e
aversão a direitos humanos e justiça social, agravado pela pandemia da
Covid-19, insiste na importância fundamental da educação para a convivência
fraterna entre as pessoas, para o desenvolvimento de uma cultura do encontro e
do diálogo e a construção de uma sociedade mais justa e solidária: “Fala com
sabedoria, ensina com amor”.
Diferentemente dos outros animais, o ser humano é responsável pela
própria vida. Não apenas reage instintivamente, mas vai fazendo escolhas,
tomando decisões, construindo projetos de vida. Isso acontece tanto no âmbito
pessoal, quanto no âmbito social. E é sempre influenciado e condicionado pela
cultura, pela sociedade, pela religião etc. Assim como recebemos de nossos pais
um DNA, recebemos da sociedade um conjunto de hábitos, costumes, regras,
valores, modos de relação, visão do ser humano e do mundo, ideal de vida etc.
Desde criança vamos sendo “educados” ou introduzidos num determinado modo de
vida. A palavra educação significa exatamente isso:
levar/conduzir/introduzir/inserir a pessoa na vida familiar, grupal, cultural,
social.
Há formas diferentes de compreender e viver a vida. Há formas diferentes
de compreender e organizar a sociedade. E a cada modo de compreender/viver a
vida e organizar a sociedade corresponde um projeto educativo. Há projetos
individualistas, dinamizados pela lógica do egoísmo,
que fortalecem a competição, a indiferença e a desigualdade. E há projetos
comunitários, dinamizados pela lógica da fraternidade,
que promovem a cooperação, a solidariedade e a superação das desigualdades.
Podemos ser educados para o egoísmo ou para a fraternidade.
A fé cristã, fundada em Jesus Cristo e no seu Evangelho, nos introduz
num modo de vida dinamizado pela relação filial com Deus e pela relação
fraterna com os irmãos: a filiação divina se vive na fraternidade com os
irmãos; o amor a Deus se concretiza e se mede no amor ao irmão. E isso é um
aprendizado de toda a vida. Não é um dado natural, mas uma opção que brota do
encontro com Jesus Cristo e da adesão ao seu Evangelho. Em sua última encíclica
social, o Papa Francisco fala da fraternidade: é “um modo de vida com saber
evangélico”. E o Texto- Base da Campanha da Fraternidade recorda que isso se
aprende/difunde/concretiza em vários espaços e envolve diversos atores
(família, vizinhos, escola, comunidade, Igreja, organizações sociais, política,
redes sociais etc.), insistindo na importância e urgência de “educar para um
novo humanismo”, fundado na dignidade do ser humano, na solidariedade entre as
pessoas, na justiça social e no cuidado da casa comum. Nisso reside a
especificidade de uma educação cristã, para além da confissão religiosa:
educação para a fraternidade!
Francisco Junior Aquino é Presbítero da Diocese de Limoeiro
do Norte – CE; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e
da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
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