Marcelo Mário de Melo
Em memória de Wladimir Herzog e Manoel Fiel Filho (*)
Isto não é uma exposição acadêmica nem um requebro
retórico. É um desabafo.
Talvez muitos preferissem a linguagem das
estatísticas.
Esta a coluninha dos torturados.
Aqui os estropiados fisicamente com subdivisões para
hematomas cicatrizes fraturas lesões e toda a nomenclatura da medicina
torturante de urgência.
Aqui os mutilados mentalmente com subseções reservadas
a psicoses neuroses fobias úlceras gastrites insônias obsessões apatias.
Neste espaço reservado a Torturas/Mortes computem-se
“Suicídios”, “Mortos em Tiroteio” e “Tentativas de Fuga”.
E nesta linha verde-acinzentada escreva-se com sangue:
Distensão/Desaparecidos.
Poderia preencher um gráfico que satisfaria ao
esteticismo seco do mais exigente burocrata. Tão imponente e preciso aos espíritos
formalistas como as tabelas do imposto de renda e os projetos de reforma
administrativa.
Mas os que precisassem disso para avalizar nossas
denúncias jamais seriam convencidos de nada porque há muito estariam vacinados
contra a verdade ou formados nas filas do lado de lá.
Quem não puder ser convencido hoje pelos exemplos
esparsos indícios ruídos abafados da máquina de triturar presos políticos
abrirá certamente os olhos só se os abrir quando as verdades vivas de agora
passarem à respeitabilidade morta dos museus de amanhã ou se a máquina começar
a moer a sua própria carne os próximos.
Nós os presos políticos do Brasil atual nos dirigimos
àqueles que sabem pressentir a cascavel pelo sibilo e se dispõem a renegar o
seu veneno.
Mesmo que apenas com o grito de alerta ou o gesto mudo
repulsa de quem se associa à dor.
(*) Escrito em outubro de 1975, em cela do Esquadrão
Dias Cardoso, Bongi, Recife-PE, no intervalo entre uma greve de fome e outra,
depois dos assassinatos sob tortura, em São Paulo, do jornalista Wladimir
Herzog e do operário Manoel Fiel Filho.
Marcelo Mário de Melo é poeta, escritor e militante de esquerda
Nenhum comentário:
Postar um comentário