Frei Betto
Todos sabemos
que o capitão que atualmente ocupa a presidência da República é notório
defensor da ditadura militar, apologista da tortura e do assassinato (lamentou
que o regime militar não tenha “matado uns 30 mil”), e exalta como herói o
coronel Brilhante Ustra, responsável pela morte, na tortura, de inúmeros presos
políticos.
Agora que o
historiador Carlos Fico e a jornalista Miriam Leitão divulgaram os áudios dos
juízes do Superior Tribunal Militar, referentes às atrocidades praticadas nos
porões da ditadura, o general Mourão, vice-presidente da República, deu risada
ao comentar que tais crimes, cometidos em nome do Estado, não devem ser
investigados: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô”.
Sim, também as
vítimas de Auschwitz e os algozes nazistas estão quase todos mortos. No
entanto, desde 2021 EUA, Alemanha e Canadá abriram processos legais contra
funcionários dos campos de concentração alemães. Como a maioria dos líderes
nazistas nasceu no século XIX e provavelmente está morta, o objetivo agora é
capturar e julgar aqueles que cooperaram com o extermínio praticado pelo
Terceiro Reich.
Efraim Zuroff,
coordenador de investigações do Centro Simon Wiesenthal de Jerusalém, calcula
que “várias centenas” de criminosos estão vivos. “Muitos vivem em países como
Alemanha e Áustria, que têm sistemas de saúde muito bons e, portanto, uma alta
expectativa de vida”, observa.
No Brasil, a
impunidade, assegurada pela esdrúxula e injustificável Lei da Anistia (como
anistiar quem jamais foi punido?), permitiu que algozes da ditadura
militar, assassinos e torturadores, jamais respondessem perante a Justiça pelos
crimes cometidos. Algum dia essa aberração deverá ser corrigida. “Os caras
já morreram tudo”, mas não o senso de justiça das vítimas e de seus familiares
e a memória nacional.
Duas vezes
estive nos cárceres do regime militar: 15 dias em junho de 1964, sem que tenha
havido acusação e processo, e quatro anos (1969-1973) sob a acusação de
“terrorismo”. Fui julgado dois anos após ser preso e condenado a quatro. O STF
reduziu minha sentença para dois anos no mês em que eu completava, na condição
de preso comum, os quatro de encarceramento...
Manter viva e conhecida a história
dos 21 anos de ditadura é uma missão que muito me honra. Trabalhei, com o
jornalista Ricardo Kotscho, na redação do clássico “Brasil:
Nunca Mais” (Vozes), que descreve os crimes da ditadura, segundo arquivos da
Justiça Militar. E produzi quatro obras sobre os anos de chumbo: “Cartas da
prisão” (Companhia das Letras), “Batismo de sangue” (Rocco) – levado às telas
de cinema pelo diretor Helvécio Ratton -, “O dia de Ângelo” (Brasiliense) e
“Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”
(Rocco).
É preciso que
escolas e universidades se debrucem sobre aquele período trágico da história do
Brasil. Conhecer o passado é evitar, no presente, que se repita no futuro. E,
hoje, que o país tem um governo militarizado, que de fato adota o lema “Pátria
armada, Brasil”, e reverencia o golpe militar de 1964, se faz urgentemente
necessário trazer à tona as violações dos direitos humanos cometidas pela
ditadura e os retrocessos que impôs à nação, como a censura às artes e à
cultura, a falsificação dos índices econômicos, a corrupção desenfreada na
construção de obras faraônicas.
Rememorar é um
ato político e exige a ação da Justiça.
Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do
silêncio” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 70 livros, editados
no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria
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