Por Padre Francisco Aquino Júnior
Parar as guerras, construir a paz
As
imagens e cenas divulgadas pela mídia nas últimas semanas sobre a guerra na
Ucrânia são impactantes, chocantes, aterrorizantes: centenas de mortos e
feridos; milhares de refugiados (quase três milhões!); residências, escolas e
até hospitais destruídos; crianças e idosos mortos, feridos, em fuga… Uma
tragédia! Um crime! Um atentado contra a humanidade e contra Deus: quem atenta
contra os filhos de Deus atenta contra o próprio Deus. As mães entendem bem
disso: “faça contra mim, mas não faça contra meu filho”. O escândalo é ainda
maior pelo fato dos principais interessados e promotores dessa guerra (Putin e
Biden) se dizerem cristãos.
Diante
dessa tragédia ou desse crime temos que reagir e gritar com toda força: Parem!
Chega! Basta! “Em nome de Deus, parem esse massacre”! Nada justifica uma
guerra. Não existe guerra justa. Toda guerra é maldita porque é assassina. Não
podemos banalizar a vida e a morte dos filhos e filhas e de Deus. E aos que
creem ou dizem crer em Deus, recordamos com o Papa Francisco: “Deus é apenas o
Deus da paz, ele não é o Deus da guerra, e aqueles que apoiam a violência
profanam o seu nome”!
Ao mesmo
tempo que temos que reagir com toda força contra a guerra, temos que construir
caminhos de paz. E isso exige diálogo, renúncias, acordos. A paz não se
constrói da noite para o dia nem a toque de mágica. É um processo árduo,
difícil, penoso…
No meio
de uma guerra, o primeiro desafio é a garantia de medidas de proteção e de
ajuda humanitárias: corredores humanitários; alimento, água potável,
medicamento e assistência médica; acolhida de refugiados; não bombardeio de
áreas civis. Mas isso não resolve o conflito. Apenas ameniza seu impacto mortal
imediato.
No
enfrentamento do conflito é preciso tomar em sério os interesses que estão em
jogo entre os principais atores do conflito. E aqui não podemos ser ingênuos:
não há bandidos (Putin/Rússia/China) e mocinhos (Biden/EUA/OTAN) como apresenta
a mídia. Há uma guerra de interesses econômicos, militares e geopolíticos,
cujos principais atores são os governos imperiais da Rússia e dos EUA. E não
haverá solução possível sem acomodação desses interesses. Imagine qual seria a
reação dos EUA ante a possibilidade de a Rússia instalar uma base militar na
fronteira de seu território. A entrada da Ucrânia na OTAN, significa presença
militar das grandes potências ocidentais (comandadas pelos EUA) na fronteira da
Rússia. E isso ela nunca vai permitir, como os EUA nunca permitiriam uma base
militar russa em suas fronteiras.
Não nos
deixemos enganar pela mídia que seleciona imagens e produz narrativas para
legitimar os interesses econômico-militar-geopolíticos dos EUA, apresentados
como os defensores da democracia ante imperialistas assassinos. Não estamos
diante de um conflito entre bandidos e macinhos, mas de governos imperialistas
que fazem guerra para defender e impor seus interesses. É curioso como a mídia
ocidental faz um bombardeio de imagens e informações sobre a guerra na Ucrânia,
mas silencia completamente outras guerras que estão matando e desterrando
milhares de pessoas. Recentemente a Folha de São Paulo publicou um levantamento
do “Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Aramados” que
registra conflitos ou combates armados em pelo menos 28 países. Por que não
vemos imagens e relatos impactantes desses conflitos? Quem sabe/vê o que
acontece na Síria, na Somália, no Iêmen? Ou não importa?
Além de gritar
contra as guerras, negociar medidas de proteção/ajuda humanitária, compreender
os interesses em jogo no conflito, precisamos, a médio e longo prazo,
aprender/exercitar outra forma de lidar com os conflitos. A lógica militar que
trata o adversário como inimigo a ser eliminado a qualquer preço atua tanto nas
relações entre países e povos, quanto nas relações interpessoais e sociais. A
guerra é a expressão maior dessa lógica assassina. Por isso, precisamos
desmilitarizar o coração, a sociedade e as relações internacionais. Sem isso,
não haverá paz duradora.
59 anos
atrás o papa João XXIII publicava em plena Quinta-feira Santa, em meio ao
conflito entre EUA e União Soviética, sua Carta Encíclica “Paz na Terra”. E
concluía com um apelo orante que fazemos nosso nesse tempo de guerras em que
vivemos:
Que o
Senhor “afaste dos corações dos homens tudo o que pode pôr em perigo a paz e os
transforme a todos em testemunhas da verdade, da justiça e do amor fraterno”.
Quele ele “ilumine com sua luz a mente dos responsáveis dos povos para que,
junto com o justo bem-estar dos próprios concidadãos, lhes garanta o belíssimo
dom da paz”. Que ele “inflame a vontade de todos os seres humanos para abaterem
as barreiras que dividem, para reforçarem os vínculos da caridade mútua, para
compreenderem os outros, para perdoar aos que lhes tiverem feito injúrias”.
Que o
Senhor da paz nos dê a paz e nos transforme em artesãos da paz!
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