Prof. Martinho Condini
Em 1934, 1909, 1921 e
1945, nos estados da Paraíba, Ceará e Pernambuco nasceram quatro crianças em
famílias humildes, e enfrentaram os problemas típicos das famílias brasileiras:
esforço para a sobrevivência e o sustento da família, criação e formação escolar
dos filhos.
A jovem e os três rapazes
seguiram seus caminhos a partir de suas realidades sociais, histórias de vida e
lugares de fala.
A história da Mulher Guerreira, do Santo Rebelde, do Educador dos
Oprimidos e do Operário Presidente nos serve de exemplo, primeiro pela
dificuldade de serem compreendidos pela sociedade brasileira, principalmente a
elite. Segundo pela perseguição que enfrentaram dos seus opositores, no campo
social, religioso, educacional, sindical e político. E terceiro pelo legado que
nos deixaram a partir de seus feitos em benefício do povo brasileiro.
O mais incrível é que as
pessoas que discordam das ideias e práticas de um dos quatro, consequentemente não aceitam também as dos
outros três. E as pessoas que admiram um deles, isso se repete com os outros
três, isso reforça a similaridade que existe entre esses quatro personagens e
protagonistas da história brasileira e mundial no século XX e XXI,
principalmente em se tratando da história da sociedade brasileira.
A Mulher Guerreira
Essa Mulher Guerreira representa a força e coragem das mulheres brancas,
afrodescendentes, quilombolas, indígenas, oprimidas e excluídas da nossa
sociedade.
Quando criança trabalhava
vendendo os deliciosos bolos feitos por sua mãe, em sua cidade natal Uiraúna,
na Paraíba. Em sua cidade na década de 1940 não havia 6ª série na escola, então
ela foi obrigada a fazer a 5ª série duas vezes porque não queria parar de
estudar.
Por meio da sua
militância na igreja católica progressista na década de 1950, ainda jovem,
tornou-se diretora de Educação e Cultura da prefeitura de Campina Grande, na
Paraíba. E em 1964 (ano do golpe militar) foi nomeada Secretária da Educação da
mesma cidade.
Ela se formou em Serviço
Social na UFPB em 1967 e na década de 1970 foi uma das principais colaboradoras
na fundação da Faculdade de Serviço Social em Campina Grande.
Na década de 1970, teve
uma atuante militância na Pastoral da Terra, sendo uma ferrenha opositora da
ditadura militar nos “Anos de Chumbo”. Naquela época a participação da mulher
na política era muito pequena, mas ela estava lá, destemida, enfrentando os
militares, o fim das torturas, da censura e pela retomada da democracia e
comprimento dos direitos humanos em nosso país.
Mudou-se em 1971 para a
cidade de São Paulo, onde iniciou uma carreira como assistente social e uma
incansável luta ao lado dos movimentos populares periféricos da metrópole
paulistana por melhores condições de saúde, moradia e educação.
A sua garra, caráter,
força e sensibilidade feminina a transformaram numa liderança política; uma voz
das periferias por justiça social e condições dignas para todas e todos os
cidadãos e cidadãs da paulicéia desvairada.
A sua atuação incisiva nas
políticas públicas em prol das populações mais carentes levou-a a vereança na
década de 1980 e posteriormente à assembleia legislativa.
Mas foi em 1988 que
brilhantemente ela surpreendeu a elite conservadora paulistana, numa virada
histórica, derrotando o principal líder e representante político da direita em
São Paulo na época, nas eleições municipais, tornando-se a primeira mulher
prefeita da maior cidade da Latina América.
A participação popular por meio dos conselhos
municipais foi a marca do seu governo. Durante todo o seu mandato sofreu uma
forte oposição, mas sempre firme e segura em suas decisões, deixou legados
incontestes, principalmente na assistência social, na saúde, na moradia, na
educação e no transporte público da cidade de São Paulo.
Com brilho no olhar azul,
carisma, sinceridade, vivacidade, brio e decência, essa arretada e arrochada
nordestina realizou a mais democrática e competente administração da cidade de
São Paulo.
Após o mandato de
prefeita, ela foi ministra de Estado e parlamentar federal com mandatos
consecutivos. Atualmente tê-la no congresso nacional é a garantia que os
pequeninos, oprimidos e excluídos do nosso Brasil jamais serão esquecidos,
abandonados e desassistidos.
Mulher
Guerreira, nordestina e socialista! Uma estrela imprescindível
na constelação da nação brasileira!
O
Santo Rebelde
O Santo Rebelde, miúdo de gestos largos e fala forte e incisiva, fez
da sua vida uma luta em favor dos pequeninos, como gostava de chamar os
excluídos e oprimidos da nossa sociedade.
Na década de 1920, na cidade de Fortaleza
criou o primeiro sindicato de trabalhadoras mulheres (empregadas domésticas) do
Brasil.
Na cidade do Rio de
Janeiro, entre às décadas de 1940 e 1950, idealizou e fundou a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e também teve participação direta na
criação da Conferência Episcopal Latino Americana (CELAM). Foi a principal voz
latino americana e brasileira no Concílio Vaticano II (1962-1965), uma das
principais vozes na Conferência Episcopal Latino Americana de Medellín (1968), um
dos precursores da criação da “Igreja do Pobres”, das “Comunidades Eclesiais de
Base” (CEBs), da corrente teológica “Teologia da Libertação”. Criou a Cruzada
São Sebastião, conjunto habitacional com 10 prédios, que na época abrigou os
moradores da favela Praia do Pinto e Morro Azul, no bairro do Leblon. Fundou a
Cáritas brasileira, criou o Banco e a Feira da Providência, a Comunidade de Emaús
e participou da organização do Movimento de Educação de Base (MEB).
Em 1964, enquanto ocorria
o golpe militar, o Santo Rebelde foi
transferido para Pernambuco, como arcebispo de Olinda e Recife, onde permaneceu
até o seu falecimento em 1999.
Em Recife, foi o
idealizador e fundador do “Movimento Esperança”, uma ação orquestrada por ele
para ajudar as pessoas mais necessitadas e excluídas de Recife, grande Recife e
posteriormente expandiu-se para outras regiões do estado de Pernambuco.
O Santo Rebelde se tornou a mais importante voz contra o regime
ditatorial no Brasil. Foi o primeiro brasileiro a falar no exterior que no
Brasil havia censura, tortura e morte. Foi calado por quase dez anos; os
militares impediram que os órgãos de imprensa o entrevistassem ou mencionassem
o seu nome. Sua voz foi calada no Brasil, mas ecoou mundo a fora, tornando-se
“a voz de quem não tem voz”. A igreja onde morava foi metralhada por várias
vezes. E ele não foi assassinado pela ditadura porque era uma liderança conhecida
nacional e mundialmente pela sua incansável luta por justiça social e pelos
direitos humanos. Por quatro vezes seguidas, por intervenção do Itamarati, não
recebeu o “Prêmio Nobel da Paz”.
O Santo Rebelde foi a principal liderança da igreja católica
progressista no Brasil e na América Latina na segunda metade do século XX.
O
Educador dos Oprimidos
O Educador dos Oprimidos, sensível às causas sociais, principalmente
no que se refere à educação e alfabetização de jovens e adultos; no final da
década de 1950, por meio de sua práxis
pedagógica realizou com outros educadores um processo de alfabetização de
adultos na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. Esse processo criado e
coordenado pelo Educador dos Oprimidos foi
revolucionário, sendo até hoje pesquisado e praticado por muitas educadoras e educadores no Brasil e outros países.
O processo de alfabetização criado pelo Educador dos Oprimidos tem como base uma educação libertadora, onde
a leitura de mundo das crianças, jovens e adultos os levam a compreensão de sua
realidade e a partir daí eles podem modificá-las e sair da condição de
oprimidos e excluídos da sociedade, assumindo seus papéis de agentes da história.
Por isso, o governo brasileiro, entre os anos de 1963 e
1964, convidou o Educador a coordenar e implantar o Programa Nacional de
Alfabetização (PNA), com o intuito de alfabetizar milhões de brasileiros.
Mas, assim que ocorreu o golpe militar em 1964, e instaurada
a ditadura, o programa de alfabetização foi abortado e o Educador dos Oprimidos foi exilado do Brasil, retornando apenas em
1980. Neste período de dezesseis anos trabalhou no Chile, Estados Unidos, Suíça
e vários países da África, aplicando a sua práxis alfabetizadora.
Neste período escreveu vários livros. Um deles se tornou o
esteio de sua filosofia e prática educacional, Pedagogia do Oprimido, sendo
o terceiro livro mais lido no mundo na área das ciências humanas.
Após o seu retorno ao Brasil, construiu um legado a partir
da sua prática como educador, professor universitário, pensador da educação e escritor.
A sua maneira sempre muito amorosa, sincera e cativante de lidar com as pessoas
foi algo peculiar.
Hoje, o Educador dos
Oprimidos é reconhecido mundialmente. Vários países adotam suas práticas
educacionais para formar as suas crianças, jovens e adultos. Mesmo após o seu falecimento
em 1997, ele inspira milhares de educadoras e educadores do Brasil e do mundo.
Atualmente é o patrono da educação brasileira e indiscutivelmente foi o mais
importante educador da história do Brasil e um dos mais importantes do mundo.
O
Operário Presidente
O Operário Presidente teve a mesma história de milhões de
nordestinos. Ainda criança vem com sua mãe e irmãos, de pau de arara, para São
Paulo. Na infância pobre, ajudou no sustento da família, trabalhou como
vendedor de amendoim, laranja, auxiliar de tinturaria, telefonista e bicos como
engraxate. Adolescente, faz um curso de torneiro mecânico e torna-se operário
da indústria na grande São Paulo. E
assim foi seguindo a sua vida, constituindo família, criando filhos e sempre na
luta pela sobrevivência.
Ao final da década de
1960, despolitizado, ingressou na diretoria do sindicato da sua categoria
profissional. Mas no decorrer dos anos foi
compreendendo a relação de exploração entre o capital e o trabalho.
Em 1975, em plena
ditadura militar se torna presidente do sindicato e junto com outros
companheiros constrói um “novo sindicalismo”. Um sindicalismo de luta em defesa
da classe trabalhadora.
Ao final da década de
1970 e começo da década de 1980, o Operário
Presidente lidera as maiores greves de trabalhadores da história do Brasil
na região do ABC na grande São Paulo, assembléias com mais de 150 mil
trabalhadores, em um período em que greves de trabalhadores eram proibidas pela
ditadura militar.
A truculência do governo
militar lhe custou várias prisões, mas isso não o fez esmorecer, e a sua luta
pela melhoria das condições de trabalho refletiu em outras categorias
profissionais. O Operário Presidente tornou-se uma liderança nacional para as
trabalhadoras e trabalhadores deste país.
No início da década de
1980, o Operário Presidente percebe que
a sua luta não era mais apenas ao lado da sua categoria profissional, mas uma
luta a favor dos oprimidos e excluídos da sociedade brasileira. Então funda um
partido político, o Partido dos Trabalhadores (hoje o maior partido
progressista de esquerda do mundo), com o apoio de operários, camponeses, sindicalistas,
intelectuais, representantes da igreja progressista, militantes de esquerda e
de movimentos populares.
O Operário Presidente se tornou a principal liderança política do
Brasil dos últimos 40 anos em nosso país. Após quatro eleições presidenciais, tornou-se
presidente da república por dois mandatos seguidos; em 2002 eleito com mais de
52 milhões de votos e em 2006 com mais de 58 milhões votos. Em seu governo, o
Brasil, que era a 13ª potência econômica do mundo, tornou-se a 6ª, segundo o
banco mundial. Também, em seu governo foi instituída a maior política de inclusão
social da história desse país, possibilitando a milhões de pessoas ter um emprego,
tomar café da manhã, almoçar e jantar com suas famílias. Além disso, fez com
que mais de 36 milhões de pessoas saíssem da condição de miseráveis e milhares
de jovens ingressassem no ensino superior e conquistassem melhores empregos e
condições de vida.
O Operário Presidente com seu carisma, sua sensibilidade e
inteligência, tornou-se o mais popular e melhor presidente da história da nossa
república.
Em 2018, o Operário
Presidente foi injustamente preso pela Operação Lava Jato, assim foi impedido
de disputar as eleições. Após 580 dias na prisão, foi solto e seus processos
foram anulados pelo STF, que alegou abuso de poder da Operação Lava Jato.
E hoje o Operário Presidente está liderando as
pesquisas eleitorais e quem sabe tornar-se pela terceira vez presidente do Brasil.
Quatro
por quatro
Estou convencido que este
quarteto dignifica a história do nosso país: a Mulher Guerreira, Luiza Erundina; o Santo Rebelde, Dom Helder Camara; o Educador dos Oprimidos, Paulo Freire e o Operário Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, oriundos de uma
mesma raiz, irmanados pela mesma nordestinidade caracterizam-se pela coragem,
valentia, caráter e perseverança.
A busca de cada um, ao
seu modo pela justiça social, pelos direitos humanos, pelo respeito ao outro e pela
dignidade para todos os pequeninos, oprimidos e excluídos, brasileiros e latino
americanos, sintetiza o primor desses quatro arrochados e arretados personagens
da nossa história.
Enfim, Luiza, Helder, Paulo e Lula carregam consigo a verdadeira brasilidade
e o esperançar na construção de um Brasil genuinamente brasileiro. Protagonistas
na história da igreja, da educação, do sindicalismo e da política brasileira,
eles merecem todo o nosso respeito. Viva a liberdade, a democracia e as
brasileiras e brasileiros comprometidos com o nosso povo!
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