Por MARIA CLARA LUCCHETTI
BINGEMER

Não é a primeira vez que a Igreja – e
muito concretamente a Igreja Católica – passa por uma grave crise.
Diria até que aquela que agora atravessamos não é das piores.
Senão lembremo-nos da primeira contenda entre Pedro e Paulo, da
qual o Novo Testamento dá notícia e que poderia ter dividido a Igreja
para sempre. E além dela, a crise ariana em torno da divindade de
Jesus. E mais perto de nós a que resultou na Reforma Protestante
com simonia e outros desmandos. Crises, portanto, não são novidade
para essa Igreja que a todas sobreviveu.
Desde uma perspectiva de fé, a
análise que se possa fazer do atual momento que vive a Igreja é
necessariamente diferente de outras análises, mais sociológicas,
políticas etc. O olhar da fé não quer ignorar ou excluir esses
outros olhares. No entanto, sob pena de desvirtuar-se totalmente e
não fazer ressoar de forma adequada a palavra diferenciada que deseja
pronunciar, não pode deixar de lado o que lhe é próprio e específico.
Em uma perspectiva de fé, a Igreja é antes
de tudo um mistério. A ecclesia neotestamentária não consiste
apenas em um grupo que se reúne com regras próprias e interesses comuns.
É muito mais que isto. Ou talvez radicalmente diferente
disto. Trata-se da assembleia dos que crêem em Jesus Cristo e no
Deus por ele revelado. A fé neste evento histórico-teologal mudou
suas vidas e eles e elas desejam agora entrar em um novo modo de vida: o
modo de vida crístico que é essencialmente comunitário. A comunidade dos
que assim querem viver é então a Igreja.
Santa e pecadora é essa Igreja que
desde o primeiro momento se autocompreendeu, em palavras do apóstolo Paulo,
como esposa de Cristo. Nela, o que é humano, contingente, pecador,
sempre existiu e é iniludível. Composta de seres humanos e frágeis,
muitas vezes se viu a comunidade sacudida e erodida pelo mal que se
expressou em lutas de poder, invejas, alianças espúrias etc. Porém,
sempre dessas crises se levantou e cresceu, porque seu fundo mais
profundo é a santidade de Cristo que é sua cabeça; é o Vento Santo do
Espírito que a preside e conduz, e não permite que nada prevaleça contra
ela.
O mesmo Paulo que usava expressões
tão elevadas para se referir à Igreja que amava tinha consciência do
pecado presente em seu seio. E vemos repetidas vezes o apóstolo
usar expressões duras para repreender os fiéis que considerava filhos – “filhinhos”
ternamente amados – e que não hesitava em chamar de “santos” quando os
percebia vítimas dos enganos e das falácias do pecado que os dividia e
conspurcava.
Os escândalos que hoje presenciamos
ferindo a face da Igreja e que explodiram e ganharam visibilidade
no pontificado que ora termina com Bento XVI, não são novos, portanto.
Porque as paixões e os vícios desde sempre convivem neste abismo de
transcendência e finitude que é o ser humano. O desalento e
sofrimento de Bento XVI diante de certas situações eclesiais hodiernas,
conclamando a Igreja à conversão no início da Quaresma, foram
também os de muitos líderes eclesiais em todos os níveis e segmentos
eclesiais ao longo desta história de mais de dois milênios.
A verdade tem que ser assumida e
olhada de frente, por mais dolorosa e vergonhosa que seja. Pois sem
reconhecê-la e assumi-la, a conversão não se dará. No entanto,
reconhecer os pecados da Igreja implica assumi-los como nossos. E
assmi-los na fé. Fé que nos diz que não se trata apenas de uma
instituição civil ou de uma grandeza sociológica essa que está no
epicentro de tantos conflitos. Mas trata-se de uma comunidade de
fé. E assim sendo, apesar de ter e dever reconhecer todas as
fragilidades próprias à humana condição de seus membros, é mistério que
faz encontrar o brilho da santidade e do amor mesmo em meio às mais
escuras e densas noites.
Só com esta atitude a Igreja poderá
realizar as mudanças que deseja e que são urgentes e necessárias.
Santa e pecadora, humana e divina, mistério de fé, ela procurará
então, uma vez mais, voltar-se para o norte que a orienta e segui-lo com
fidelidade e esperança. A comoção que provocou a renúncia do Papa é sinal
de que mesmo com um papel diferente, mesmo em um mundo secularizado, a
comunidade dos que guardam o testemunho de Jesus e creem no Deus que Ele
chama de Pai ainda tem algo a dizer nestes tempos tão conturbados que são
os nossos.
Maria Clara Lucchetti
Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e escritora.
É autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que pode ser
encomendado diretamente à escritora pelo e-mail – agape@puc-rio.br
– R$ 20,00
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