Por LEONARDO BOFF

O segundo milênio foi caracterizado pelo paradigma da Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada: uma monarquia absolutista centrada na figura do Papa como suprema cabeça (cefalização), dotado de poderes ilimitados e, por fim, infalível quando se declara como tal em assuntos de fé e moral. Criou-se o Estado Pontifício, com exército, com sistema financeiro e legislação que incluía a pena de morte. Criou-se um corpo de peritos da instituição, a Cúria Romana, responsável pela administração eclesiástica mundial. Esta centralização gerou a romanização de toda a cristandade. A evangelização da América Latina, da Ásia e da África se fez no bojo de um mesmo processo de conquista colonial do mundo e significava um transplante do modelo romano, praticamente anulando a encarnação nas culturas locais, em grande parte destruídas com a cruz e a espada. Oficializou-se, como de direito divino, a separação estrita entre o clero e os leigos. Estes, sem nenhum poder de decisão (no primeiro milênio participavam na eleição dos bispos e do próprio Papa), foram juridicamente e de fato infantilizados e mediocrizados.
Firmaram-se os costumes palacianos dos padres, bispos, cardeais e Papas. Os títulos de poder dos imperadores romanos, a começar pelo de Papa e a de Sumo Pontífice, passaram ao bispo de Roma. Os cardeais, príncipes da Igreja, se vestiam como a alta nobreza renascentista e isso permanece até os dias de hoje para escândalo de não poucos cristãos habituados a ver Jesus pobre e homem do povo, perseguido, torturado e executado na cruz.
Este modelo de Igreja, tudo indica, se encerrou
com a renúncia de Bento XVI, o último Papa deste modelo monárquico, num
contexto trágico de escândalos que afetaram o núcleo da credibilidade do
anúncio cristão.
A eleição do Papa Francisco, vindo “do fim
do mundo” como ele mesmo se apresentou, da periferia da cristandade, do Grande
Sul, onde vivem 60% dos católicos, inaugura o paradigma eclesial do Terceiro
Milênio: a Igreja como vasta rede comunidades cristãs, enraizadas nas
diferentes culturas, algumas mais ancestrais que a ocidental como a chinesa,
indiana e japonesa e nas culturas tribais de África e comunitárias da América
Latina. Encarna-se também na cultura moderna dos países tecnicamente avançados,
com uma fé vivida também em pequenos grupos ou comunidades. Todas estas
encarnações tem algo em comum: a urbanização da humanidade pela qual mais de
80% da população vive em grandes conglomerados de milhões e milhões de
habitantes.
Neste contexto será praticamente
impossível de se falar em paróquias territoriais, de cunho rural, mas em
comunidades de vizinhança de prédios ou de ruas próximas. Esse cristianismo
terá como protagonistas os leigos, animados por padres, casados ou não ou por
mulheres-sacerdotes e bispos ligados mais à espiritualidade do que à
administração. As Igrejas terão outros rostos, próprios das diferentes
culturas.
A reforma, assim esperamos, não se
restringirá à Cúria Romana em estado calamitoso mas se estenderá a toda a
institucionalidade da Igreja. Talvez somente com a convocação de um novo
Concílio com representantes de toda a cristandade e de notáveis, por sua vida e
ética, da sociedade civil mundial, dará ao Papa a segurança e as linhas mestras
da Igreja do Terceiro Milênio. Que não lhe falte o Espírito e a coragem para o
novo.
Leonardo é doutor em
teologia pela Universidade de Munique . Escreveu vários livros e foi agraciado
com vários prêmios
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