por REJANE MENEZES

49 anos se passaram e os
horrores praticados pelo regime que teve início naquele fatídico 1º de abril
deixaram marcas muito profundas, nas vítimas que conseguiram sobreviver, nos
familiares dos que sucumbiram às atrocidades e perseguições e no povo
brasileiro de maneira geral.
A terra das palmeiras onde
cantam os sabiás passou, pouco a pouco, a ser a terra dos subterrâneos, onde
cantam os chicotes e os pau-de-arara. Virou a terra do medo, dos sussurros, do
patrulhamento ideológico.
As aves que aqui gorjeavam
bateram asas e foram cantar bem longe dos tanques, das metralhadoras e dos
Doicods.
Amar a pátria e querer
livrá-la de seus algozes passou a ser, com muita sorte, um passaporte para o
exílio. Para outros, justificativa para tortura ou uma sentença de morte.
Foram embora políticos,
intelectuais, artistas, filhos e filhas de uma pátria muito amada, à qual
tinham que dizer adeus, sem esperança de vê-la outra vez. Uma pátria que os
expulsava, que os consumia mas que, com toda certeza, em suas entranhas,
chorava a dor de a uns ver partir, talvez para sempre. E a outros, dor maior,
ter que engolir inertes, por terem tido suas vidas roubadas.
Geraldo Vandré, em seu exílio
cantava: “Se é pra dizer adeus, pra não te ver jamais, eu que dos filhos teus,
fui te quere demais. Nos versos que hoje choram, pra me fazer capaz, da dor que
me devora, quero dizer-te mais. Que além de adeus agora, eu te prometo em paz,
levar comigo afora, a dor demais”.
E, em sua dor de saudade, a
pátria lhe respondia: “amado meu, sempre será, quem me guardou no seu cantar,
quem me levou além do céu, além dos seus e além do mais. Amado meu, que além de
mim se dá, não se perdeu e nem se perderá”.
Chico Buarque cantou o desejo
de voltar e ouvir cantar uma sabiá. Afirmava que voltaria para o seu lugar. Na letra musicada
por Tom Jobim, ele dizia: “Vou voltar, sei que ainda vou voltar, não vai ser em
vão que fiz tantos planos de me enganar, como fiz enganos de me encontrar, como
fiz estradas De me perder, fiz de tudo e nada de te esquecer”.
O nosso poetinha Vinícius
dizia em versos carregados de emoção: “A minha pátria é como se não fosse, é
íntima/ Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio / Assistindo dormir meu filho/Choro de saudades de minha pátria. (...) Fonte de mel, bicho triste, pátria minha/ Amada, idolatrada, salve, salve!/ Que mais doce esperança acorrentada/ O não poder dizer-te: aguarda...Não tardo! / Quero rever-te, pátria minha, e para / Rever-te me esqueci de tudo/ Fui cego, estropiado, surdo, mudo /Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes / Fiquei simples, sem fontes. (...) Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa/ Que brinca em teus cabelos e te alisa /Pátria minha, e perfuma o teu chão.../ Que vontade de adormecer-me /Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas /E ao batuque em teu coração. /
Não te direi o nome, pátria minha /Teu nome é pátria amada, é patriazinha / Não rima com mãe gentil / Vives em mim como uma filha, que és /Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.”
É minha pátria. Por isso, no exílio / Assistindo dormir meu filho/Choro de saudades de minha pátria. (...) Fonte de mel, bicho triste, pátria minha/ Amada, idolatrada, salve, salve!/ Que mais doce esperança acorrentada/ O não poder dizer-te: aguarda...Não tardo! / Quero rever-te, pátria minha, e para / Rever-te me esqueci de tudo/ Fui cego, estropiado, surdo, mudo /Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes / Fiquei simples, sem fontes. (...) Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa/ Que brinca em teus cabelos e te alisa /Pátria minha, e perfuma o teu chão.../ Que vontade de adormecer-me /Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas /E ao batuque em teu coração. /
Não te direi o nome, pátria minha /Teu nome é pátria amada, é patriazinha / Não rima com mãe gentil / Vives em mim como uma filha, que és /Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.”
Foram 21 anos de sofrimento,
de gritos de libertação, ouvidos mundo afora, apesar de tantos à força calados.
Foram duas décadas de sentimentos pisados e amores sufocados.
Hoje, olhamos para nossa
pátria e a vemos cada vez menos amada, quiça, idoladrata.
Nossos jovens mal conhecem a
letra do Hino Nacional. Talvez, em tempos de copa do mundo, em pódios de
Fórmula 1, anseiem por ouvi-lo. Mas fora
disso, não há entusiasmo.
Na década de 70, quando eram
criados slogans do tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”, era publicada no Pasquim
uma charge, mostrando um aeroporto com uma fila imensa de pessoas indo embora e
a frase: “o último a sair apague a luz!” Os anos passaram, a ditadura acabou,
mas muitos ainda fazem fila nos aeroportos. Só que agora não mais para fugir da
opressão. Mas para deixar para trás uma pátria que não aprendeu a amar como
sua.
Onde andam os cantadores do
meu Brasil brasileiro? Cadê tuas aquarelas?
49 anos depois, apesar de o
sonho das eleições diretas se ter tornado realidade já há 24 anos, apesar da democracia ter voltado,
apesar de termos tido um operário nordestino comando com maestria o nosso país,
e hoje teremos uma mulher como presidente, os que tomaram de assalto a nossa
liberdade ainda são vitoriosos. Porque, além das vidas que roubaram, da
liberdade que cercearam, das ideologias que sufocaram, eles conseguiram a
façanha de destruir as sementes de amor à pátria que iriam brotar nas gerações
futuras. Sem sementes, não há plantio, não há colheita.
Hoje a corrupção, antes
encoberta, às claras, a céu aberto, corrói as entranhas da sociedade, tirando
dos que nada tem e aumentando os que já não sabem fazer com o tanto que tem.
Haverá ainda quem, longe de
casa, escreva versos como os que Vinícius ainda diz em sua poesia: “Mais do que
a mais garrida a minha pátria tem / Uma quentura, um querer bem, um bem / Um
libertas quae sera tamem / Que um dia traduzi num exame escrito: / ‘Liberta que
serás também’/ E repito!”
Antes, o sonho era a libertar
o país. Hoje, é libertar-se dele.
A sabiá continua a entoar seu
canto pelo verde louro das matas, cantando a paz do futuro e as glórias do
passado. No céu da pátria ainda brilha o sol e o cruzeiro do sul resplandece.
Nossos risonhos campos continuam carregados de flores, nossos bosques ainda têm
mais vida, embora em teu seio, a vida ande tão precisada de mais amores.
Antes, mesas alegres e
barulhentas, reuniam as famílias, nos almoços de domingo. Avós, filhos e netos
podiam se encontrar, se abraçar, conversar sobre a semana, sobre seus planos,
seus sonhos, desventuras e alegrias. Hoje, é a internet quem reúne as famílias,
numa tentativa de diminuir a saudade, substituindo abraços e beijos pela imagem
distante.
Quem dera as sementes estejam
apenas adormecidas, hibernando em um sono reparador e, um dia, despertem cheias
de raça e vigor e, plantadas nos corações de cada brasileiro, estejam onde for,
desabrochem em amores eternos e, ainda longe, possam enviar a pátria algum
verso: “Agora chamarei a amiga cotovia /E pedirei que peça ao rouxinol do dia /
Que peça ao sabiá / Para levar-te presto este avigrama:"Pátria minha,
saudades de quem te ama... / Vinicius de Moraes." E tantos mais.
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