Por MARCELO BARROS

Em tempos anteriores à televisão e aos
shoppings, nas cidades do interior, ou em bairros residenciais, toda noite, as
pessoas costumavam sentar à porta de casa, para conversar e conviver.
Normalmente, a roda de conversa acabava se abrindo também aos vizinhos e vizinhas.
Assim, se formavam verdadeiras rodas de discussão, com assuntos como educação
de filhos, relacionamentos conjugais e futebol. Hoje, a televisão e a cultura
do shopping substituíram estes ritos de convivência, mas não resolvem o
problema da solidão dos mais velhos e da futilidade de quem olha o mundo apenas
pela janela do consumo descartável.
Há mais de 50 anos, o educador Paulo
Freire propôs um método de alfabetização e educação de adultos que partia da
vizinhança. Formava círculos de diálogo e cultura entre vizinhos. Ali, as
pessoas aprendiam a expressar sua posição sobre a vida e os problemas que
enfrentavam. Mesmo perseguido pela ditadura militar, este método de
conscientização se espalhou pelo Brasil, por outros países da América Latina e
até em Angola e Cabo Verde, na África. Na mesma linha, na segunda metade dos
anos 60, em várias regiões do Brasil, homens e mulheres de fé cristã, começaram
a se reunir como vizinhos, para orar, ouvir juntos um texto bíblico, conversar
sobre problemas da vida e fortalecer a solidariedade mútua. Foi o começo das
comunidades eclesiais de base. Mais tarde, várias Igrejas evangélicas organizaram
grupos semelhantes, como “Igreja em células” e “Igreja em quadros”, comunidades
de convivência e proximidade, instrumentos de comunhão entre as pessoas.
Há mil razões para se valorizar a prática
da vizinhança. Quem crê em Deus como Luz e fonte de vida, o contempla, não como
alguém exterior a nós e que de fora intervém neste mundo, mas como presença
íntima e profunda, no coração de toda pessoa humana, especialmente de quem se
abre ao amor, independentemente de sua pertença religiosa. Um teólogo
evangélico dizia: “Deus está em mim para você e em você para mim. Eu o encontro
em você e, se quiser, você pode encontrá-lo em mim”. Por isso, podemos olhar
nossos vizinhos e vizinhas, como sinais da presença divina. Eles são humanos e
têm seus defeitos e limitações, mas se os olharmos assim, pouco a pouco, se
transformarão, principalmente se perceberem que, de fato, cremos: através deles
e no mais íntimo de cada um/uma, Deus mora lá na nossa rua.
Marcelo
Barros, monge beneditino e peregrino de Deus
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