por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Janeiro
chegou e com ele as férias escolares, que comandam não apenas o calendário das
instituições de ensino, mas a vida de uma boa parcela da população. E mais uma
vez, aquilo que deveria ser repouso, se torna um frenético ir e vir, com
agências de viagens abarrotadas, aeroportos e rodoviárias cheias, hotéis
lotados.
A
cultura das sensações e satisfações imediatas na qual vivemos
mergulhados roubou inclusive nosso tempo e
o que é mais grave nossa capacidade de repousar,
descansar, relaxar. Ao estresse do tempo de trabalho e estudo, agregou-se o das
férias, onde é absolutamente imprescindível fazer programas incessantes, viajar
cansativamente para lugares longínquos. Atrás, arrastadas e impacientes,
crianças entediadas, assediando sem parar os pais a fim de comprar, consumir,
gastar o dinheiro que podem e não podem, adquirindo objetos, souvenires,
brindes e gadgets para os quais provavelmente nunca mais vão olhar.
A
volta ao lar trará consigo o sabor algo amargo da frustração do
investimento hercúleo em
um programa que, afinal, não valeu tanto a pena. A
sensação de encontrar-se tão ou
mais cansado do que no dia da partida e com a conta bancária
reduzida a quase zero deixará no ar uma pergunta incômoda, mas inevitável: mas
afinal, não se consegue descansar nem nas férias?
Diabolicamente
engenhosa, a sociedade em que vivemos roubou até mesmo nossa capacidade de
descanso gratuito. Porque é disso que se trata quando se fala em férias,
repouso, lazer, retempero de forças e energias. A máquina do consumo quer
colocar-nos em movimento custe o que custar. E o faz, não menos exaustivamente
porque em contexto ou situação diferente. E como seres humanos, vamos sendo
reduzidos a meros consumidores, em radical ruptura de aliança com a criação da
qual fazemos parte.
O
tempo de férias seria se tal nos fosse permitido pelo frenesi em que vivemos
ideal para recuperar a relação com a criação da qual somos parte. Não para
dominá-la ou instrumentalizá-la, como o fazem com nossa cumplicidade as
indústrias de turismo e as cadeias de hotelaria. Mas para colocar-se, modesta e
maravilhadamente, na escola do amor que olha, vê com respeito, contempla e
entra em diálogo e comunicação.
O mundo
assim por nós contemplado se tornará, então, surpreendentemente diáfano e
transparente da presença divina, desdobrando seus mistérios e encantos diante
de nosso humano olhar purificado de toda voracidade instrumentalizadora e
tornado capaz de adoração. Nele, criaturas humanas que somos, nos sentiremos
chamados a descobrir nosso lugar, que é de aliança e comunhão com a totalidade
do cosmos.
Re-adquirir,
portanto, um olhar contemplativo, extasiado, permitiria ver no mundo e em todos
os seres viventes a marca comum de criaturas de Deus. Revelaria a criação como
divina morada de Deus e do ser humano. E poderia ser, enfim, um bom programa
para nossas próximas férias. Assim, quem sabe voltaríamos ao trabalho renovados
e purificados do muito que o cotidiano nos tem esmagado com sua implacável
exigência e frenético ritmo.
Mas,
sobretudo, talvez aprendêssemos um pouco mais quem somos: não máquinas de
produzir e consumir, mas pessoas criadas, em nada superiores aos outros seres,
concidadãos humildemente "posteriores" de uma comunidade de seres
vivos que nos antecedeu em seu emergir das mãos do Criador.
Talvez, além de tudo isso, este tempo de repouso
ainda nos ensinasse mais sobre quem é esse Criador que, desde sua eternidade,
nos desejou e inseriu no tempo e na história, a fim de "transformar a
terra", mas também e não menos louvar e alegrar-se com as maravilhas que
nos circundam. Aí sentiríamos que a coroa da criação de Deus não é o homem, mas
sim o sábado, festa celebrativa e gratuita do Criador e do criado. Essas, sim,
poderiam ser férias realmente "sabáticas" e contemplativas.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”,
Editora Rocco.
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