Por Marcelo Barros
Um dos problemas mais sérios do mundo atual é que a
sociedade dominante se tornou tão forte e, de tal forma, a todos impõe os seus
valores que rouba das pessoas até o direito de sonhar. A sociedade do shopping
cria fantasias de consumo que parecem sonhos, mas não têm a consistência de
projetos de vida. As pessoas se preparam para ganhar mais ou ter sucesso na
vida mas poucas pensam para que empreender toda essa luta. E a juventude que
tem todo o direito de, através do conhecimento, se apossar da história e do
pensamento dos grandes sonhos da humanidade. A educação não pode ser
fragmentada e esfacelada, como manda o projeto criminoso do atual governo
brasileiro.
No mundo inteiro, nesse próximo final de semana, as
pessoas que trabalham pela paz entre os povos e pela igualdade entre os seres
humanos celebram a memória do pastor negro Martin-Luther King. No começo dos anos 60, nos Estados Unidos, o
pastor King coordenava a luta da população negra pela igualdade social e por
seus direitos civis. Enquanto ele vivia, a grande mídia norte-americana tentou
destruí-lo de todos os modos possíveis. Depois que ele foi assassinado, fez
dele um herói. O dia do aniversário de seu nascimento, 15 de janeiro, foi
consagrado como feriado nacional, celebrado sempre na terça segunda feira de
janeiro.
Mais de 50 anos depois dessa vitória legal do povo
negro, tanto nos Estados Unidos, como na maioria dos países do mundo, a
humanidade ainda não eliminou o apartheid social e econômico. Na América
Latina, quase sempre, ser negro é sinônimo de ser pobre. A África do Sul
superou o apartheid político, mas mantém uma imensa desigualdade racial,
baseada na divisão econômica. Com relação a isso, ainda ressoam as palavras do
pastor Martin-Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o
silêncio dos bons. Mais do que a violência de poucos, me assusta a omissão de
muitos”. Ele explicava: “Uma pessoa que não descobriu nada pela qual aceitaria
morrer, não está ainda pronta para viver”. Onde ele mais expressou essa causa
maior pela qual viver e lutar foi no célebre discurso, considerado por várias
pesquisas o discurso mais importante feito nos Estados Unidos, durante o século
XX. Nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, ao encerrar a marcha por
direitos civis e igualdade de emprego, diante de mais de 200 mil pessoas, no 28
de agosto de 1963, o pastor Martin- Luther King começou seu discurso dizendo: “Eu
tenho um sonho”. Apesar de ter sido proferido há mais de 50 anos, suas palavras
ainda se mantêm atuais e proféticas. O sonho dele era viver em um mundo no qual
os seus filhos negros pudessem andar de cabeça erguida e conviver de igual para
igual com os colegas brancos, freqüentar os mesmos colégios e participar dos
mesmos ambientes sociais. “Sonho com um mundo no qual meus filhos possam ser julgados
por sua personalidade e não pela cor de sua pele”. Era o sonho de ver o mundo
superar as divisões raciais e sociais que ainda tornam esta terra um vale de
lágrimas e injustiças.
Desde a última década do século XX, mas principalmente
a partir dos primeiros anos desse século, vários países na América Latina
conseguiram transformar o sonho de justiça e libertação dos nossos povos em
projetos que se concretizaram em novas constituições cidadãs em países como a
Venezuela, o Equador e Bolívia. Os povos conseguiram eleger governos mais
progressistas e, mesmo em meio a muitas ambiguidades, mais ligados à causa dos
mais pobres. No entanto, as elites locais insatisfeitas, patrocinadas e
apoiadas pelo império norte-americano, ávido de retomar o seu poder no
continente, conseguiram fragilizar os processos sociais, derrubar alguns
governos e reinstalar de novo em vários países a dependência e a opção pela
maior desigualdade e discriminação social. A memória de profetas como o pastor
Martin-Luther King nos assegura que, mesmo com todos os ataques do império,
ninguém conseguirá destruir os melhores sonhos dos nossos povos.
É bom lembrar que a espiritualidade é a opção de viver
desde agora para tornar realidade aquilo que sonhamos. Toda a Bíblia pode ser
lida a partir da revelação progressiva de um projeto divino de paz, justiça e
comunhão entre os seres humanos e com a natureza. O pastor Martin-Luther King
nos recordava: “Lembremo-nos de que existe no mundo um poder de amor que é
capaz de abrir caminho onde não há caminho e de transformar o ontem escuro em
um amanhã luminoso”.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
Nenhum comentário:
Postar um comentário