por Maria Clara Lucchetti Bingemer
É difícil fazer votos de Ano Novo quando se trata deste ano que ora
finda. Provavelmente os de nossa geração, assim como os mais novos,
jamais viveram tal quantidade de negatividades, desgraças, decepções, dores e
horrores.
O Brasil conhece a pior fase de sua história. Recessão cruel, levantando
às alturas os níveis de desemprego e subtraindo os índices de
crescimento. O cenário político não pode ser mais preocupante. Sem
lideranças de peso, as eleições de 2018 se aproximam como um grande vácuo, um
abismo desabitado e inominável, que permite esperar que as coisas piorem ainda
mais.
Ladrões foram presos e a enxurrada de delações premiadas só faz revelar um
número crescente dessa espécie que parece especializada em apropriar-se indebitamente
da terra pródiga e fértil onde, nas palavras de Pero Vaz de Caminha, “em se
plantando, tudo dá.” Tudo dá...depende para quem. Os bancos na Suíça
estão locupletados dos recursos roubado dos trabalhadores e a repatriação
acontece não com a celeridade que se espera.
Os direitos trabalhistas, grande orgulho nacional há muitas décadas, foram
feridos de morte. E os trabalhadores se deparam com o triste cenário de
receberem seus salários parcelados ou não receberem de todo. E veem a
própria aposentadoria como um horizonte longínquo e inexpugnável, cada vez mais
distante no tempo, aonde chegarão apenas se gozarem de inusual longevidade.
No mundo, nada melhor acontece.
O Mar
Mediterrâneo continua a ser uma goela esfaimada que engole migrantes vindos de
terras devastadas, arrasadas, destruídas. Mulheres grávidas, bebês de
colo, famílias inteiras morrem afogadas, levando consigo sonhos, esperanças e
vida. A Europa conheceu atentados os mais diversos, que semearam o terror
onde antes havia bem-estar e despreocupação. A segurança passou a ser um
mito do passado, assunto de história que avós contam para netos, referindo-se
aos bons tempos, quando se podia estar à vontade em um supermercado, em uma
casa de espetáculos, ou passeando na orla da praia no feriado nacional.
No lado de cá do Atlântico, ao norte da América, o
ano fechou com a má notícia temida, mas não esperada. O candidato
republicano Donald Trump ganhou as eleições presidenciais e governará os
Estados Unidos por pelo menos quatro anos. Derrotado no voto popular, Trump
venceu Hillary Clinton no intrincado e inexplicável sistema eleitoral
estadunidense.
As primeiras declarações, ações e convocações do candidato
vitorioso semeiam a incerteza e o temor entre os migrantes de todas as procedências
e entre as pessoas de bem. Tempos sombrios se anunciam ao norte do
continente.
Procuram-se razões para esperar. Esperar que
o ano novo possa ser melhor que o velho. Esperar que as coisas melhorem
sobretudo para os pobres e as vítimas do progresso. Esperar que haja mais
justiça, mais paz, mais concórdia. Neste exercício esperançoso, vejamos o
que se pode resgatar de 2016.
O Papa Francisco firmou-se e confirmou-se como o
grande líder do planeta. Reservou aos que de todos os cantos do globo
observam seu pontificado uma surpresa diária, fez coisas como, por exemplo,
encontrar-se com o Patriarca Kiril, da Igreja Ortodoxa Oriental. Foi o
primeiro encontro entre os líderes das duas maiores igrejas do cristianismo por
mais de mil anos. O abraço dos dois líderes religiosos aconteceu em
Havana, no mês de fevereiro, e foi selado com esta frase de Francisco:
“Finalmente! Somos irmãos!”
A Colômbia, país vizinho e amigo, após experimentar
um duro fracasso no primeiro referendo pela paz, finalmente chegou ao acordo
tão desejado quanto esperado. As Farc e o governo do presidente Juan
Manuel Santos bateram o martelo sobre mais de cinquenta anos de guerra civil,
abrindo oportunidades novas para o sofrido país e através dele para todo o
continente.
E as Olimpíadas aconteceram no Rio de Janeiro. E
bem, apesar de todas as Cassandras de plantão, que torceram pelo fracasso e o
insucesso. O Brasil ficou para sempre na história como o anfitrião dos mais
memoráveis e fantásticos Jogos Olímpicos da história recente.
Por todos esses fatos, podemos olhar para 2017 e
ter esperança. Os poetas nos ajudam. Charles Péguy, poeta francês
do século XX, escreveu que a fé é uma esposa fiel, a caridade é como mãe
ardente, cheia de coragem. A esperança, por sua vez, é uma menininha
insignificante, que só caminha de braço dado com as duas outras, grandes e
sábias.
Em que ela difere? Qual o seu encanto?
Qual sua graça especial? Na verdade, ela é a única – diz Péguy – que vê e ama
não o que é, mas o que será. Na realidade, é ela que faz o mundo prosseguir,
continuar e não explodir como fruto da inconsequência humana. Ela, que
ama o que ainda não é e será no futuro da eternidade.
É essa esperança que nos permitirá olhar com paz e
coração disposto para 2017 neste final de 2016. Podia ter sido melhor o
que passou? Pois seja. Podemos esperar que seja melhor o que vem?
Sim, com a esperança que é criança ainda, vestida de futuro e que nos perfuma o
coração. Que venha 2017. E assim seja!
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A
teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por
Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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