Por Marcelo Barros
Nesse começo do ano, em todo o Brasil, principalmente
nos ambientes rurais e do interior, as comunidades mais pobres vibram com
danças populares que unem a fé e a cultura popular. Essa sabedoria nos ensina
que Deus gosta de brincadeira e se manifesta no jeito do povo simples cantar
suas rezas, dançar e brincar nas folias de Reis, assim como, no Nordeste, as
crianças ensaiam e dançam o pastoril e o reizado. Inspiradas, sem dúvida em
dramatizações religiosas, comuns na Idade Média, em um contexto no qual a
Liturgia era em latim e restrita ao clero e religiosos/as, as folias de reis
encenam a peregrinação que, conforme o evangelho, magos, ou seja feiticeiros e
sacerdotes de religiões pagãs, fizeram do Oriente até Belém para adorar a
Jesus. Pelo interior de Goiás, Minas Gerais e outras regiões do Brasil
tradicional, do Natal até 06 de janeiro, os foliões levam a bandeira do Menino
de casa em casa e invocam a benção divina para as famílias.
É importante não julgar essas tradições como meros resquícios
de um tempo passado e de culturas rurais inadequadas no contexto urbano. Ao
contrário, o sentido mais profundo dessa piedade popular se mantém vivo e
atual. De fato, para as comunidades cristãs que seguem essas tradições pouco
importa se a página do evangelho que conta a visita dos sábios do Oriente ao
menino de Belém é de tipo simbólico. Os próprios magos não são figuras
históricas, mas a tradição os tornou reis magos e fez da viagem deles,
conduzidos por uma estrela, do Oriente até Belém o protótipo de toda a busca interior
e profunda que as pessoas vivem.
Mesmo em um mundo sem sonhos e que se especializa em
matar as utopias mais profundas da humanidade, pessoas pertencentes a todas as
tradições espirituais, como também intelectuais de todas as culturas, mesmo se
não pertencem a nenhuma religião específica vivem uma verdadeira peregrinação
interior na busca de apreender e viver o mistério mais profundo da vida. A luta
cotidiana pela existência e a agitação da sociedade atual tenta as pessoas a
esquecer ou mitigar essa busca. O sentido mais profundo das celebrações
populares do Natal e Reis Magos é revigorar essa procura no mais profundo de
cada crente.
As devoções populares natalinas nos fazem reviver a
busca que os evangelhos simbolizam ao contar a visita daqueles astrólogos do
Oriente a Jesus. Hoje, os reis magos somos nós e todas as pessoas que não
desistem da busca interior e se dispõem a aprofundar o diálogo na escuta e no aprendizado uns com os
outros.
Nos nossos dias, o papa Francisco tem insistido em que
a fé cristã se vive na inserção no mundo atual, na solidariedade a todos os
grandes problemas da humanidade. A missão de quem é de Deus é fazer como Jesus:
criar pontes e não muros. Nós fazemos isso quando aceitamos nos despojar de
nossa autossuficiência e nos inserir na comunidade humana e na comunhão de
todos os seres vivos. Para retomarmos essa busca interior e nos abrir ao
diálogo com todos os irmãos e irmãs que se colocam conosco nessa estrada, o Natal
nos convida a começar de novo e aceitar ser como crianças abertas ao amanhã.
Adélia Prado, nossa grande poetisa, tem um poema-oração que diz assim:
"Meu Deus, me dá cinco anos. Meu Deus, me dá a mão e me cura de ser
grande".
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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