por Frei Betto
Chegamos a 2017! Estamos
a nos aproximar mais perto de nós mesmos?
Há
uma abissal distância entre o que somos e o que queremos ser. Um apetite de
Absoluto e a consciência aguda de nossa finitude. Olhamos para trás: a infância
que resta na memória com sabor de paraíso perdido; a adolescência tecida em
sonhos e utopias; os propósitos altruístas.
Agora,
nas atuais circunstâncias, a ameaça de desemprego; o salário exíguo em um país
tão caro; o (des)governo sem rumo; a sombra de Trump.
Em
volta, a violência da paisagem urbana e a nossa dificuldade de conectar efeitos
e causas. Como se moradores de rua fossem cogumelos espontâneos e não frutos do
darwinismo econômico que segrega a maioria pobre e favorece a minoria abastada.
O mesmo executivo que teme sequestro e brada contra bandidos, abastece o crime
ao consumir drogas e corromper o poder público.
Ano
novo, vida nova. No fundo da garganta, o travo. Vontade de remar contra a
corrente e, enquanto tantos celebram a pós-modernidade, pedir colo a Deus e
resgatar boas coisas: a oração em família, o amor sem pressa, a leitura dos
místicos, o diálogo amigável com os filhos, a solidão entre matas, o gesto
solidário capaz de amenizar a dor de um enfermo.
Reencontrar,
no ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-se do lobo voraz que, na arena
competitiva do mercado, nos faz estranhos a nós mesmos.
Ano
novo de incertezas. Olhemos a cidade, o estado, o país. As obras que beneficiam
empreiteiras trazem proveito à maioria da população? Melhoram o transporte
público, o serviço de saúde, a rede educacional, o saneamento? Nosso bairro tem
bom sistema sanitário, as ruas são limpas, há áreas de lazer? Participamos do
debate sobre o orçamento municipal? Os políticos em quem votamos têm desempenho
satisfatório? No combate à violência, eles remetem às áreas de conflito
policiais ou professores?
Em
política, tolerância é cumplicidade com maracutaias. Voto é delegação e, na
verdadeira democracia, governa o povo através de seus representantes e de
mobilizações diretas junto ao poder público. Quanto mais cidadania, mais
democracia.
Ano
de nova qualidade de vida. De menos ansiedade e mais profundidade. Aceitar a
proposta de Jesus a Nicodemos: nascer de novo. Mergulhar em si, abrir espaço à
presença do Inefável. Braços e corações abertos também ao semelhante.
Recriar-se e apropriar-se da realidade circundante, livre da pasteurização que
nos massifica na mediocridade bovina de quem rumina hábitos mesquinhos, como se
a vida fosse uma janela da qual contemplamos, noite após noite, a realidade
desfilar nos ilusórios devaneios de uma telenovela.
Feliz
ano novo a quem se propõe a trocar o lamento pela ação, a queixa pela pressão,
o protesto pela proposta. E está disposto a sair de si para organizar a
esperança.
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Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros.
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