Por Maria Clara
Lucchetti Bingemer
Dentre todas as
experiências que a maternidade me deu, certamente a que mais me proporcionou
prazer foi a amamentação. Recordo-me com delícia a luta que foi amamentar
minha primeira filha, que nasceu na França. Na terra de Descartes, esse
dom materno não é muito apreciado. Enfermeiras e médico queriam
convencer-me a desistir, já que eu não teria muito leite devido à cesariana que
fora forçada a fazer.
Insisti e lutei feito uma
leoa. E apesar do abcesso, da dor, da dificuldade, amamentei três meses
minha filha. Aqueles momentos com ela, sentindo seu coraçãozinho bater,
seu esforço de sugar e depois seu suspiro de satisfação e sono bem-aventurado
me fizeram mãe de fato. Com os outros dois filhos insisti e persisti. A
cada vez uma luta – sobretudo com o segundo, grande e esganado – mas um
sentimento como se ali eu estivesse marcando meus filhos com um selo. Era
minha marca que ficava na corporeidade deles para o resto de suas vidas.
Até hoje acho belíssimo
quando vejo uma mulher dando de mamar a uma criança. Seja em privado,
seja em público. É certamente um ato de profunda comunhão, de infinito amor. E
parece que nisso – como em muitas outras coisas – o Papa Francisco e eu
concordamos. Durante um batizado coletivo de 33 bebês na Capela Sistina,
o Pontífice avisou às mães presentes que não ficassem constrangidas caso
precisassem alimentar seus filhos. Ouvindo o choro de muitos deles intuiu
ser isso sinal de fome e estimulou-as a não hesitar em amamentá-los,
mesmo no recinto da igreja.
Toca o Papa aí em algo
muito humano, delicado, profundo. Com a cultura do consumo que atinge
igualmente a venda de mamadeiras, os seios femininos foram sendo vistos como
destinados exclusivamente à função sexual e erótica. A amamentação, então, foi
se tornando cada vez mais privada e escondida dos olhos da sociedade.
No
Brasil e no mundo, a amamentação em espaços públicos já foi centro de
controvérsias e discussões. Em contrapartida, há organizações e pessoas
que reivindicam o respeito ao direito de a mãe dar o seio em público. A
discussão atingiu as redes sociais e foram citados vários exemplos concretos,
como a de uma mãe que, em um hotel de luxo em Londres, foi forçada a cobrir-se
com um grande guardanapo de tecido.
É para o bem comum da humanidade que urge desfazer o equívoco de que os seios
são meramente objetos eróticos e que, como tal, devem ser usados e/ou ocultados
em nome da moral e dos bons costumes. É necessário devolver aos seios femininos
o principal atributo que lhes cabe: amamentar, alimentar outros seres humanos e
com eles desenvolver a mais profunda e bela relação de amor que talvez terão em
toda a sua vida. O Papa Francisco, conhecido por apoiar tudo que
dignifica o ser humano exatamente em sua humanidade, tem sido um destemido
ativista e defensor desta causa.
O Pontífice faz declarações públicas em favor da amamentação desde o início de
seu pontificado. Já em 2013, em entrevista ao jornal italiano La
Stampa, afirmou que as mães não deveriam envergonhar-se de amamentar seus
filhos. Associou o tema ao desperdício de comida que existe no mundo, que
por sua vez, empurra para a frente a roda do consumo, potencializando a
indústria de mamadeiras, bicos e etc. Quando recentemente, na Capela Sistina,
estimulou as mães a aleitar os filhos, acrescentou: “Eles são as pessoas mais
importantes aqui.”
Com essa orientação, saiu do texto de sua homilia, dirigindo-se diretamente às
mães presentes. Ao mesmo tempo, recordou as mães pobres do mundo,“muitas
das quais, infelizmente, não conseguem alimentar suas crianças”.
Ao valorizar algo tão importante, o Papa está, na verdade, ratificando uma
analogia teológica. Alimentar outros com seu próprio corpo é o gesto que
Deus mesmo, em Jesus Cristo, escolheu para fazer-se presente intimamente
àqueles e àquelas que nele creem. Pois não professamos os católicos ser a
Eucaristia a carne e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, feito comida e
bebida para nós?
Toda mulher tem constitutiva e visivelmente em seu corpo esta graça infinita de
poder repetir a cada filho, a cada gestação, a cada vida que gera e dá à luz o
gesto eucarístico e salvífico realizado pelo Salvador. Amamentem, pois,
afortunadas mães que podem fazê-lo. Abram seus seios túrgidos para que
neles os frutos de seus ventres possam ser alimentados e nutridos. Não
apenas de leite, mas de amor, intimidade, comunhão. Primeiro gesto de
comunhão, a amamentação é algo que sela a relação mãe e filho com a marca não
apenas da saúde, da divisão equânime dos bens, mas igualmente da salvação e da
santidade.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “O mistério e o mundo” (Editora Rocco).
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