Por
Marcelo Barros
Uma das
características do mundo atual é a convivência entre diversas culturas. Por
isso, também um dos maiores desafios é a convivência e colaboração entre
diferentes religiões. Antigamente, os poderosos de cada região impunham a sua
religião a todos os habitantes do território que dominavam. Hoje, graças a
Deus, o mundo inteiro é uma grande sinfonia de diferentes culturas e religiões.
Há muitos fieis muçulmanos na Índia, muitos crentes do Hinduísmo nos países
árabes, cristãos na China e seguidores do Taoísmo no Brasil. Infelizmente, o
fanatismo religioso e o fundamentalismo ainda provocam intolerância e
preconceito entre religiões diferentes.
No Rio de
Janeiro, em janeiro do ano 2000, duas vezes, Mãe Gilda, sacerdotisa do
Candomblé, viu o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja neopentecostal.
Elas invadiram o lugar e destruíram os assentamentos dos Orixás. Poucos dias
depois, Mãe Gilda viu estampada no jornal “A Folha Universal”, uma foto sua com
a legenda: “Macumbeiros ameaçam a vida e o bolso dos clientes”. Ao ver aquilo,
aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Para que não se repitam mais
fatos como esse, em 2007, uma portaria do presidente Lula determinou que, a
cada ano, em todo o Brasil, o 21 de janeiro seja celebrado como o “Dia Nacional
contra a Intolerância Religiosa”.
Para vencer
a intolerância cultural e religiosa, não basta uma lei ou decreto. É preciso que
as pessoas se convençam de que não existe fé na intolerância e no desamor. Ou
nos transformamos interiormente ou nossa religião é meramente externa e vazia. A
fé é um processo permanente de abertura interior para descobrir no outro ser
humano e na natureza a presença divina. Foi isso que Jesus ensinou no evangelho
e que, cinco séculos antes, Buda havia pregado em seus sermões. É isso que
ensinam todas as grandes religiões da humanidade.
Algumas pessoas que se consideram religiosas ainda
confundem a verdade com uma forma cultural de expressá-la. Por isso,
absolutizam dogmas e se fecham em um autoritarismo fundamentalista e
superficial. Daí, facilmente, se justificam conflitos e até guerras em nome de
Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos documentos, (a declaração Nostra
Aetate), o Concílio Vaticano II proclamava o valor das outras religiões e
incentivava os católicos do mundo inteiro ao respeito ao diferente e ao
diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões
cristãs, pediu às Igrejas-membros uma atitude de respeito e diálogo com todas
as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.
Atualmente,
a diversidade religiosa no mundo é, não somente um fato atual que, queiramos ou
não, se impõe à humanidade. Ela se constitui como graça divina e uma bênção
para as tradições religiosas que, assim, podem se complementar e mutuamente se
enriquecer. Para que esse diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo
religioso tem de reconhecer o elemento de verdade que existe no outro.
Em 1994, no
Vaticano, a Congregação da Doutrina da Fé e a Comissão Pontifícia para o
Diálogo Inter-religioso publicaram um documento em comum chamado "Diálogo
e Anúncio". Esse documento ensina que os cristãos valorizam todas as
outras religiões porque creem que todas contêm verdades reveladas por Deus. Assim,
nós nos tornamos melhores cristãos à medida que nos abrimos ao que Deus nos
revela, não somente na Bíblia e em nossa tradição, mas também ao que ele quer
nos dizer através das outras religiões. Isso em nada diminui o valor próprio da
nossa fé. Ao contrário, a enriquece. Abrir-nos a outras religiões não significa
aderir a elas. Somos chamados a, como cristãos, sermos testemunhas do amor
universal de Jesus que "veio a todo ser humano que vive nesse mundo".
No evangelho, na hora de se despedir dos discípulos, Jesus afirmou: "Na
casa do meu Pai, há muitas moradas". Ele não disse que, no céu, há muitas
casas preparadas para nós, quando morrermos. O sentido profundo da palavra de
Jesus é que "a casa do Pai" é esse mundo mesmo e as muitas moradas de
Deus são as diversas formas de caminhar para o seu reino. Ele peregrina conosco.
As religiões são tendas armadas no caminho para nos ajudar a avançar em sua
direção.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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