Maria Clara Lucchetti Bingemer
O Dia dos Pais é sempre um momento propício para refletir sobre a paternidade
que anda tão em crise ultimamente. Na verdade, a ausência ou o vazio da
figura paterna é um dos grandes problemas da humanidade hoje. E talvez um
problema ao qual não se presta suficiente atenção.
Enquanto abundam os estudos sobre as consequências
da privação do cuidado materno, não é dito o bastante sobre os efeitos
devastadores da falta da figura paterna, que faz tanto ou mais vítimas que a
primeira. Algumas doenças atuais como anorexia, bulimia,
toxicodependência, que estão dizimando as últimas gerações de filhos, podem ser
vinculadas diretamente a esta realidade. Também o aprofundamento de
fenômenos, tais como o neonazismo e outras formas de delinquência juvenil
reconduz ao vazio de uma figura masculina positiva, conectada com uma
paternidade forte. Desde um ponto de vista psicanalítico, estar privado
do pai equivale a estar privado da espinha dorsal.
Somos a geração da emancipação sob todas as
formas. Mas é ao mesmo tempo uma geração de filhos sem pai. Esta
realidade apresenta graves consequências. Deixou caminho livre nas sociedades
mais avançadas ao crescimento de seitas e fundamentalismos. A falta do
pai nas instituições de base, como a família, repercute na estrutura política
pelo avanço dos sistemas totalitários e da emergência das "figuras
carismáticas", nas quais pode-se ler, em nível simbólico, a busca daqueles
atributos paternos que são o ser juiz, protetor etc. e que empalidecem no vácuo
da paternidade que marca nossa sociedade.
Para nós, cristãos, Pai é o nome próprio de
Deus. Reconhecer o Pai, carregar o nome do Pai, buscar a proteção e o
amor do Pai em nosso dia a dia é reflexo da experiência primordial da fé que
professamos, que nos diz que Deus, o Deus em quem cremos, não é uma ideia, um
absoluto sem nome e sem contornos, ou uma muleta da qual lançamos mão nos
momentos difíceis. Trata-se d´Aquele que Jesus de Nazaré ensinou a chamar
de Pai.
Embora a paternidade do Pai seja um dom para toda a
humanidade, é no Cristianismo que a nomeação de Deus como Pai toma lugar de
forma central. Crer no Pai implica conhecer o Filho, que é quem o revela, e
abrir-se à presença do Espírito que conduz ao Pai por mediação do Filho.
É essa fé num Deus que é Pai que nos une como
cristãos. Embora divididos em diversas igrejas, vivemos uma só fé: cremos em
Deus-Pai. A humanidade é rica em raças, povos, nações, religiões, culturas. A
grande maioria da humanidade, mesmo sem a consciência cristã, trabalha por
causas éticas, pela edificação da grande família humana, vive o amor fraterno,
a justiça social, a busca da verdade, a luta pela paz, a defesa dos direitos
humanos. A fé, porém, permite identificar Deus Pai como fonte e origem de toda
essa diversidade.
Cremos que Ele é o criador de todos os povos e
culturas. É o Pai da grande família humana. Ninguém está fora do alcance de sua
vontade salvadora, de seu amor paterno, de sua graça. Sendo Pai de Jesus Cristo
é, através dele, Pai de todos os seres humanos. Jesus é o Filho sobre o qual o
Pai derrama todo o seu amor. Reparte, porém, sua filiação divina, não somente
com seus discípulos, mas com toda a humanidade. Temos, em Cristo, um só Pai da
grande família humana!
Mergulhados em dolorosa orfandade, vítimas da
pobreza, da violência, da marginalização e da indiferença, muitos não fazem
sequer a experiência positiva de um pai humano, quanto mais do Pai divino. Por
isso tanto sofrimento, tanto dilaceramento, tanta desorientação em vidas que
não tiveram a figura paterna para norteá-las e orientá-las. E por isso também a
dificuldade de experimentar um Deus que dê sentido à vida e organize o
mundo.
Embora Deus seja Pai de todos, muitos não o
nomeiam assim porque não o conhecem. Eis por que o Evangelho é boa
notícia. Anuncia e comunica a todos que Deus é amor, e amor de Pai.
Amor tão grande que é de Pai com jeito de mãe. Pai que não se exclui -
como quer a mentalidade machista - das funções que são próprias da mãe:
alimentar, consolar, cuidar, acarinhar. Pai que troca fraldas, que dá
mamadeira, que faz dormir quando o escuro da noite ameaça e explode em
desamparado choro. Pai que toma nos braços, que põe no colo, que embala e
canta cantigas de acalanto.
Mas é o Pai também quem ensina o caminho do bem e
da justiça, que corrige os rumos e sabe introduzir o princípio da realidade
quando o filho embarca em viagens desastrosas ou em perigosas aventuras, quando
a sociedade regida unicamente por um desordenado princípio do prazer quer
cooptá-lo em suas voragens. Pai ensina que o que importa na vida não é o
dinheiro, o êxito, o poder. Mas a responsabilidade. E esta implica
dar de comer ao faminto, de beber ao sedento, vestir o nu, abrigar o errante,
visitar o doente ou o encarcerado.
A esses e essas Jesus ensina que ouvirão no final
de suas vidas: “Vinde benditos de meu Pai”. São benditos por estarem
sintonizados com a paternidade divina, que assume amorosamente a
responsabilidade e o cuidado dos que não têm quem os auxilie. São
benditos porque caminham ao encontro dos outros para auxiliá-los e
redimi-los.
Que sejam benditos os pais no seu dia.
Sobretudo os pais que amam seus filhos e os orientam por esses caminhos. Aos
filhos desses pais, Deus mostra Seu rosto paterno e bondoso e os recebe na
alegria da vida em plenitude.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é
professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é
autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de
descrença”, Editora Rocco.
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