por Juracy Andrade
Abordo aqui
novamente o tema do Estado laico, que, no Brasil, é uma lei, ou melhor,
preceito constitucional olimpicamente ignorado.
Desde que o imperador romano
Constantino decidiu, dentro do conceito antigo de religião do Estado, que o
cristianismo seria a nova religião do Império Romano, a religião cristã perdeu
sua velha prática baseada no “a Deus o que é de Deus, a César o que é de
César”. Os bispos passaram à condição de nobres, o clero adquiriu privilégios
descabidos, mosteiros enriqueceram esquecendo a pobreza evangélica. Inventaram
que São Pedro tinha sido papa e usava anel (?!); até hoje se fala em “anel do
pescador”. Coitado de São Pedro, arrastado quase a pulso para Roma por São
Paulo. Se um papa havia, era Paulo.
Os papas
passaram a ter um poder muito grande, inclusive material e territorial, que só
terminou com a unificação da Itália, processo em que grande papel tiveram
nossos Garibaldi e Anita. Resmungando muito, o papa ficou confinado ao Vaticano
e achando que tinham cometido contra a Igreja um abominável pecado. Sempre
confundindo a Igreja de Cristo com o papado. Já no século 20, o ditador
fascista Benito Mussolini assinou com Pio 11 o Tratado de Latrão, pelo qual se
criava o Stato della Città Del Vaticano, independente, e concedia-se
extraterritorialidade a alguns edifícios romanos, como as basílicas maiores, a
Universidade Gregoriana. (Quando estudei nessa universidade, comunistas perseguidos
pela polícia, pois a Democrazia Cristiana não era assim tão democrática, nem
tão cristã, se refugiavam ali correndo da Piazza della Pilota.)
Além disso,
Mussolini concedeu uma indenização simbólica ao papa, que serviu para a criação
de um Banco do Vaticano, curiosamente chamado de Istituto per le Opere di
Religione (IOR). Francisco, um papa cristão, está procurando sanar as
estripulias desse banco, que, sobretudo no reinado do monsenhor americano
Marcinkus, envolveu-se com máfia e com assassinatos.
Atrelada ao
poder político, a Igreja, através do papado, envolveu-se em iniciativas
abomináveis, como as Cruzadas, a Inquisição. Já com o iluminismo e
enciclopedismo, começou-se a propor uma separação entre Igreja e Estado, entre
religião e política. Isso ocorreu em parte, antes, com a Reforma de Martinho
Lutero, que pretendia apenas dar uma boa sacolejada em práticas delituosas do
Vaticano, sobretudo a venda de indulgências e o excessivo peso do papado sobre
os fiéis, maioria pobre. Mais adiante, Lutero aliou-se a príncipes alemães, uma
contradição que conduziu às assim ditas guerras de religião.
Mas foi com a
Revolução Francesa que o domínio político do papado caiu mesmo em desuso.
Voltaire queria enforcar o último rei nas tripas do último padre. Não precisou.
Aos poucos, a própria Igreja sentiu que seria muito mais autêntica com a
separação.
No Brasil, a
Constituição imperial ainda não havia se adaptado à Revolução Francesa. O
catolicismo continuava sendo a religião oficial e o imperador tinha a palavra
final sobre a nomeação de bispos. Só com a República, estabeleceu-se a
separação constitucional da Igreja em relação ao Estado. Mas só teoricamente.
Os bispos ainda resmungaram muito tempo e exigiram prioridades, até se darem
conta de que a separação era muito melhor para ambos.
Quando as
religiões cristãs dissidentes de Roma, sobretudo as neopentecostais, começaram
a crescer em Pindorama, insufladas principalmente pela política estadunidense,
que acha a Igreja Católica Romana demasiado esquerdista, é que voltou a
confusão entre religião e política. Ironicamente, pois lá longe elas se ligam à
Reforma Luterana. E o que vemos? As confissões protestantes (que hoje preferem
ser denominadas evangélicas; será que o catolicismo não se funda no Evangelho?)
têm seus partidos e fazem propaganda política com base na Bíblia. O que é
absolutamente contraditório em relação a uma Constituição laica. O pior é que
muitas das confissões ditas neopentecostais pregam uma Teologia da
Prosperidade, que contradiz a Teologia da Libertação: recolhem muito dinheiro
de fiéis, muitas vezes pobres, e se espalham por toda parte prometendo o
paraíso na Terra. Infelizmente golpeando o laicismo constitucional.
Quem quiser
ter sua religião que tenha, mas sem colocá-la a serviço de partidos e fins
político-partidários. Amém! Aleluia!
Juracy Andrade é
jornalista com formação em filosofia e teologia.
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