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terça-feira, 15 de agosto de 2017

SER PAI EM UMA SOCIEDADE NÃO PATRIARCAL


Por Marcelo Barros

Na sociedade atual, as relações entre pais e filhos são muito afetadas pela instabilidade social e econômica, assim como pela ausência de referências culturais que, no passado, davam certa segurança à família. O dia dos pais pode ser ocasião para repensarmos valores como a importância das relações entre pais e filhos e a missão da família na sociedade.

Em 2014 e 2015, a Igreja Católica dedicou duas sessões do Sínodo dos Bispos aos atuais problemas das famílias. Decorrente desse processo, o papa Francisco publicou uma carta pós-sinodal denominada Amoris Letitia, A alegria do Amor. Nessa carta, o papa insiste com os ministros da Igreja para entrarem em diálogo com as famílias. Isso lhes permitirá colaborar para a unidade dos lares, mesmo na diversidade.

Cada vez mais a sociedade se liberta da cultura patriarcal. Isso é bom. No entanto, é importante que a figura paterna, antes tão destacada, redescubra o seu papel junto aos filhos e à esposa. Todos nós temos amigos, mas cada ser humano tem apenas um pai e uma mãe. Em seu tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que ele havia fundado: “Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu os gerei no Cristo” (1 Cor 4, 15).

Muitas vezes, as pessoas ainda idealizam como deveria ser um bom pai ou uma mãe perfeita. Por ocasião do dia dos pais, ainda circulam mensagens que falam de um pai maravilhoso que, dificilmente, na vida concreta, podemos encontrar. Na maioria das vezes, as próprias condições de vida obrigam o homem a trabalhar longe de casa e da convivência familiar. Quando em São Paulo e no Paraná é tempo de colheita da cana de açúcar, ainda há cidades no interior do Nordeste que se esvaziam de homens. Esses pais de família deixam casa, esposa e filhos por um, dois ou três meses. É o preço da sobrevivência. Por outro lado, hoje, no Brasil, uma em cada três crianças que nascem não têm como festejar o dia dos pais. Não apenas por ser pobre ou por algum desastre natural que lhe roubou o pai, mas porque na sua certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. O pai natural não a assumiu como filho ou filha. Todos os anos, no Brasil, aumenta o número de  famílias mono-parentais.  

Atualmente, existem técnicas genéticas que garantem a paternidade biológica para quem, por acaso, tenha alguma dificuldade. O mais desafiador é viver a vocação de pai e assumir o acompanhamento progressivo de uma pessoa que, para crescer e amadurecer como ser humano, precisa de um ambiente sadio que comumente só o pai e a mãe, ou quem assume o seu papel, podem proporcionar. Por isso, mesmo se a luta pela sobrevivência das famílias é, hoje, mais desgastante do que antes, é fundamental garantir o diálogo entre pais e filhos/as. Só através do diálogo, crianças e jovens podem ser educados e  estimulados a desenvolver valores interiores, assim como aproveitar melhor a benéfica fecundação entre escola e vida. A escola cumpre um papel fundamental, mas o apoio afetivo do pai e da mãe é indispensável para motivar a criança e o jovem a avançar no caminho da educação integral.

Mesmo se o pai passa o dia fora de casa e ao voltar, está cansado e, às vezes, ainda tem tarefas a cumprir, é importante que não desista de cumprir também a função de educador de seus filhos e filhas. Ao acompanhar efetivamente o filho e a filha no aprendizado permanente que a vida encerra, o pai é chamado a colaborar para que seus filhos e filhas sejam seres humanos completos. Ao fazer isso, todo pai pode constatar como o poeta Vinícius de Moraes tinha razão no Poema Enjoadinho, ao afirmar que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, “que felicidade, os filhos dão!”.  
  
Para quem crê em Deus e busca viver uma espiritualidade amorosa, ser pai e mãe é principalmente aceitar ser imagem e parábola de Deus-Amor, principalmente para as pessoas que, em seu crescimento, precisam desse apoio.   

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países

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