Por Marcelo
Barros
"Cientistas especializados de
doze países estão trabalhando em seguir o Iceberg A 68. Ele se originou quando,
no dia 14 de julho desse ano, na Antártida, uma parte da plataforma Larsen C se
quebrou e uma imensa montanha de gelo se
deslocou do continente. Formou-se assim um iceberg até então inexistente. As
correntes internas da zona e o vento o arrastam lentamente para o Mar de
Weddelli". (J. Marco, in
La
Razón, 21/ 07/ 2017, p. 5).
Ao
acompanhar o deslocamento desse iceberg, o objetivo dos grupos de estudo de
diversos países é descobrir ou até prever as mudanças que ele provocará na
fauna marítima e no clima mundial. Nos últimos anos, o degelo de algumas áreas
da Antártida tem causado um aumento na temperatura média do planeta. No oceano
índico, tem formado constantes tsunamis. No Atlântico, o mar invade áreas
costeiras. No interior, rios antes permanentes se esgotam e os períodos de seca
se prolongam por anos e anos.
Geólogos e
cientistas norte-americanos enviaram fotografias do iceberg ao presidente Trump
que se negou a assinar o Pacto de Paris e sempre declara que "Não há mudanças substanciais na
natureza. A preocupação dos ecologistas é bobagem". Trump, gerente do
império que mais contamina o mundo, obedece a seus patrões, proprietários de
corporações econômicas que produzem petróleo e armas.
Independentemente
da prepotência estúpida de um homem que se arvora como imperador do mundo, a
imagem desse iceberg decorrente do aquecimento global não deixa de ser para nós
todos uma imagem eloquente da prepotência humana. A ponta de montanha gelada que
as lentes das máquinas capturam e que nossos olhos podem ver é apenas uma parte
mínima de uma enorme massa de gelo escondida embaixo da superfície. Também nós
humanos, celebramos as conquistas do desenvolvimento sem nos darmos conta de
que estamos sobre um iceberg de dimensões desconhecidas e destino ignorado. Ninguém
sabe para onde o iceberg A 68 se dirige, nem o que acontecerá com ele.
Transformações climáticas, inundações de áreas costeiras que eram previstas
para daqui a trinta anos já estão acontecendo. O iceberg desse modelo de
desenvolvimento social e econômico imposto pela arrogância de uma elite da
humanidade também segue um caminho perigoso e difícil de ser detido. O pior
desse iceberg que a humanidade criou para si mesma no planeta Terra é que esperamos
decisões dos governos, mas cada um de nós continua o seu estilo de vida, como
sempre foi. Na maioria das vezes, somos a favor da ecologia, mas no quintal dos
outros. Por isso ou por aquilo, continuamos a viver como sempre vivemos e
aproveitamos tudo o que de bom e agradável a técnica e o consumo nos
proporcionam.
O cinema
mostrou ao mundo inteiro a história do Titanic. Às 11, 40 h da noite de 14 de
abril de 1914, o capitão do transatlântico maior, mais seguro e mais luxuoso do
mundo, avistou um iceberg. Fez os cálculos e concluiu que poderia rodeá-lo e
seguir o seu caminho. De fato, o navio não se chocou frontalmente com o
iceberg. Foi a massa de gelo oculta, embaixo das águas, que rasgou o aço do
transatlântico e provocou o seu afundamento. A história e o cinema registraram que,
enquanto o Titanic afundava rapidamente, a grande orquestra do navio continuava
tocando uma sinfonia, como se nada estivesse acontecendo.
Conforme o
evangelho, Jesus alertou aos discípulos sobre as mudanças que iriam acontecer
com a destruição de Jerusalém e transformação do mundo. Para isso, ele usou
imagens do tempo. E recorreu a uma história bíblica: "Vai acontecer como nos dias de Noé. Ele avisou às pessoas que o
dilúvio estava para chegar. Ninguém acreditou, nem se preocupou com isso. As
pessoas continuaram a comer, a beber e a se darem em casamento. Não perceberam
nada até que chegou o dilúvio e matou a todos" (Mt 24, 37- 39).
A diferença
é que nesse dilúvio atual - Leonardo Boff tem razão: não haverá arcas de Noé
para salvar um resto da humanidade. É importante não cedermos a catastrofismos
sem saídas, mas nos darmos conta de que o tempo urge. E a crise é tão
estrutural que não basta que o bem-te-vi faça a sua parte pingando gotas de
água no incêndio. É preciso nos organizarmos em comunidades de resistência e
criar uma contracultura contra o consumismo vigente. Os movimentos sociais e
indígenas propõem a agricultura ecológica, o cuidado com a água e
principalmente assumirmos o Bem-viver e o bem-conviver como uma forma de
organizar a sociedade.
Na
encíclica Laudatum sii sobre o
cuidado com a casa comum, o papa Francisco propõe uma aliança de toda a
humanidade, especificamente das religiões e da sociedade civil para salvar o
planeta.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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