Por Marcelo Barros
O Brasil está na véspera de eleições
para presidente, governador e deputados. O clima está mais polarizado do que nunca.
Nas eleições para o poder executivo, quase não se apresentam programas e
projetos. Os debates incidem mais sobre histórias pessoais e não em discutir o
modelo de sociedade que queremos.
As pesquisas de voto mostram uma
divisão radical. As alternativas não parecem ser entre partidos ou candidatos
ao mesmo cargo. É como se fosse um plebiscito no qual o povo votará se quer
continuar com a Democracia, mesmo imperfeita e a ser reformada, ou se entrega o
país a um governo autoritário que propõe a violência armada como solução para
os problemas sociais. E como a propaganda é de segurança social, muitos pobres são
cooptados sem saber no que estão realmente votando. Grandes meios de
comunicação fazem com que as pessoas descontentes com a realidade se comportem
como a barata que, ameaçada, se refugia debaixo da bota que a vai esmagar. E até
a fé cristã é usada como se Deus fosse de direita e Jesus inspirasse as
violências da repressão prometida.
Bispos, padres e pastores têm se
pronunciado pouco sobre a situação brasileira. Quando o fazem, as declarações
cheiram mais à diplomacia do que à profecia. Nesse contexto, temos de lembrar
com saudade que, há 45 anos, em 1973, em plena ditadura militar, em meio à repressão
aos movimentos sociais e censura à imprensa, os bispos católicos do Nordeste e
do Centro-oeste divulgaram dois documentos importantes. No Nordeste, 13 bispos
e cinco superiores religiosos assinaram um documento chamado “Eu ouvi os clamores do meu povo”. No
Centro-oeste, os bispos publicaram “A
marginalização de um povo: o grito das Igrejas”.
O primeiro documento recebeu seu
título de uma palavra da Bíblia, no livro do Êxodo, quando, do meio da sarça
ardente, Moisés escuta uma voz que dizia: “Eu
sou o Deus de teus pais. Ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo”
(Ex 3, 7). Ao assumirem como atual essa palavra divina, os bispos analisaram a
realidade do Brasil e do Nordeste dos anos 70. Confirmaram que a realidade social
do país e da região era de profunda injustiça institucionalizada. O progresso
social promovido pelo governo era um “desenvolvimento
sem justiça” que só aumentava a escravidão do povo. O documento do Centro-oeste
afirmava claramente: “Devemos vencer o Capitalismo.
Esse é o grande mal, o pecado acumulado, a raiz podre, a árvore que produz
frutos bem conhecidos, como a
pobreza, a fome, as doenças e a morte [...]. Para isso é necessário que a
propriedade privada dos meios de produção
fábricas, terra, comércio, bancos) sejam destronados” (cf. SEDOC 6,
1973-1974).
Atualmente, o Brasil continua a ser um dos países com
maior desigualdade social no mundo. A concentração de renda se agravou. As opressões
contra os pobres são mais pesadas. O Capitalismo se tornou mais assassino. No entanto,
fora o papa Francisco, parece que poucos bispos mantêm a mesma voz profética. É
verdade que não estamos mais em época de ditadura. A sociedade civil e os movimentos
sociais não precisam mais de profetas que sejam “a voz dos que não têm voz”. Entretanto, se as comunidades eclesiais
e seus pastores se alienam tão profundamente da realidade social e política do
povo, são as próprias Igrejas que perdem com isso. Esvaziam-se de vitalidade espiritual
e credibilidade em relação à missão de testemunhar o reino de Deus, ou seja, o
projeto que Deus quer para o mundo.
Nas eleições, tanto presidenciais como
estaduais que teremos na próxima semana, é bom saber: além dos candidatos e
candidatas que se submetem ao julgamento do voto, de certa forma é o próprio
Deus que está em questão. Se alguém diz ter fé em Deus e vota em candidato que
propõe a violência e o ódio como solução para os problemas sociais é porque crê
em um Deus cruel e injusto. Quem vota em candidatos comprometidos com as causas
dos mais pobres testemunha um Deus Amor que, na Bíblia libertou o povo antigo
da escravidão dos faraós e ao qual Jesus chamou de Paizinho. Como disse Jesus aos discípulos, precisamos
ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13- 16).
MARCELO BARROS é monge beneditino e
escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas
Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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