Por Marcelo Barros
O Cerrado brasileiro é o segundo maior
bioma do país, sendo apenas menor do que o bioma Amazônia. Está presente em
todos os estados do Centro-oeste e ainda em estados do Nordeste e do Sudeste. Entretanto,
de todos os biomas brasileiros é o mais ameaçado. Dos seus originais dois
milhões de quilômetros quadrados, restam apenas 20% e esses mesmos estão seriamente
ameaçados de desaparecer pela invasão do agronegócio. Esse quer transformar o
Brasil em um imenso campo de soja transgênica, depois de haver criado pastos
mais extensos do que alguns países da Europa.
Na semana passada, os movimentos
sociais e ecológicos comemoraram no 11 de setembro mais um “dia do Cerrado”.
Eles reafirmaram a necessidade de que se estabeleçam na região do Cerrado
programas criativos e, para essa região, de certo modo, equivalentes aos que no
sertão do Nordeste se chamam de “convivência
com o Semiárido”. É um modo amoroso e, podemos dizer espiritual, de se
relacionar com o bioma que o respeita e dialoga com a Terra. Diz respeito ao
uso da água, ao tipo de cultivo e modo de viver comunitário naquela região.
O sertão é mais do que uma
característica do Semi-árido Brasileiro. Incrusta-se no coração de cada ser
humano, moldado por aquelas paisagens sem fim. Evidentemente, existe a
recíproca que fazia Luiz Gonzaga, com o seu vozeirão, repetir na clássica Asa Branca: “Quando o verde dos teus olhos se espalhar na plantação...”.
A paisagem em que as pessoas nascem e
se educam marca profundamente o jeito de ser e a cultura das sociedades. Dizem
que os nativos das cordilheiras são preponderantemente introspectivos. E como
não ser se as montanhas e os cumes mais altos os envolvem como em uma relação
de intimidade? Os mineiros das montanhas das Gerais são preponderantemente cautelosos
e sagazes. Os nordestinos das planícies da zona litorânea têm mais tendência a
ser faladores e brincalhões. Entretanto, todos carregam em si um pedaço do
sertão ou do Cerrado, escondido no próprio coração. No mais profundo do ser
interior, somos todos/as atraídos/as por um sertão que não é apenas geográfico,
mas espiritual. O árido do sertão ou do Cerrado aponta para um deserto que
todos nós, cedo ou tarde, temos de aprender a percorrer. É no ermo silencioso,
árido e austero que um Mistério nos aguarda e espreita.
No passado, as grandes tradições
espirituais nasceram na aridez do deserto. No sexto ou quinto século antes de
nossa era, no deserto de Gobbi, em território chinês, o sábio Confúcio formulou
a sabedoria dos seus ensinamentos. Um século depois, na Índia, foi na solidão e
no silêncio que Buda, o Iluminado preparou-se para a sua missão. Conforme a
Bíblia, Deus “não levou o povo de Israel
da escravidão do Egito à terra da liberdade por um caminho direto, mas o fez
dar voltas no deserto, durante 40 anos” (Ex 13). Foi no meio do deserto que,
através de um povo, Deus fez uma aliança de amor com a humanidade. Mais tarde,
o profeta Elias, em crise de vocação e em perigo de vida se refugia no mesmo Horeb
para um novo encontro com o Divino. E, conforme os evangelhos, Jesus de Nazaré
começou sua missão por um jejum de 40 dias no deserto. Seis séculos depois, foi
em meio ao deserto da Arábia que o anjo Gabriel apareceu ao profeta Maomé e
ditou o livro sagrado do Corão.
Além das populações que vivem
permanentemente e convivem culturalmente com o semiárido e mesmo com o deserto,
há o conjunto da sociedade. Mesmo não vivendo ali, o conjunto da sociedade
precisa respeitar e dialogar com os diversos biomas da Terra e da vida.
Muitas vezes, a sociedade urbana que
se impõe nos distrai e desvia de nossas metas mais profundas. Atualmente, os
profetas bíblicos chamariam a sedução urbana que faz com que muitos jovens do
campo sonhem em viver na cidade “a
tentação das cebolas do Egito”.
É preciso uma transformação no pensar
e no viver. E isso é exigente. Como dizia Guimarães Rosa, no Grande Sertão, Veredas: “O mais perigoso não se dá na partida, nem na
chegada. O risco maior é a travessia”. Na tradição espiritual guarani da
Terra sem Males, humanidade e natureza se reconciliam, a partir da justiça amorosa que vem do
Espírito. O Conselheiro retomou o grito bíblico: “o sertão vai virar mar e o mar virar sertão”. Movimentos sociais
como o MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra) ajudam a juventude a
redescobrir a liberdade interior e comunitária de uma sociedade nova e mais
sóbria que tem o campo e a vida no interior como método e caminho.
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