Marcelo
Barros[1]
Essa
semana começa por uma coincidência feliz. Nessa segunda-feira, 10, se celebra o
ano novo judaico (começa o ano 5778). No dia seguinte, terça-feira, é a vez dos
muçulmanos comemorarem o ano novo islâmico (1440 da Hégira). Duas religiões que
têm a mesma fonte no patriarca Abraão e na revelação divina do Amor celebram a
esperança de um tempo novo, em meio a conflitos que, desde muito tempo, dividem
judeus e o mundo árabe. Esse conflito não vem da fé. Ambas as religiões ensinam
que Deus é Paz e quer a Paz. No Oriente Médio, a raiz das divisões é a
interferência de governos europeus e norte-americanos. Durante muito tempo, os
impérios do Ocidente jogam um povo contra outro e insuflam um espírito de
guerra. Por trás da ingerência norte-americana naqueles países, como também no
norte da África, estão interesses econômicos de controle do petróleo e a
estratégia militar para dominar o mundo. A cada dia, aumenta o número de mortos
na Palestina ocupada e nem se fala da Síria. A única preocupação dos Estados
Unidos é garantir que os interesses norte-americanos saiam fortalecidos.
Setembro
é o mês no qual a ONU tem sua assembleia geral. Mesmo sendo representativa dos
governos, a assembleia geral é ainda a instância que une a humanidade em torno
de um mundo mais justo. Nesse esforço de grande parte da sociedade civil, os
ministros e representantes religiosos têm uma responsabilidade imensa. Muitas
vezes, durante a história, as religiões forneceram pretextos para guerras.
Muitos crimes se cometeram em nome de Deus. Em nossos tempos, é urgente que as
religiões façam desabrochar, do tesouro de suas tradições, tudo o que pode
ajudar a sociedade internacional a construir a paz.
Para
enfrentar o desafio da construção da paz, as religiões devem aprofundar a
própria imagem de Deus. Ele é fonte e principio da paz e não uma divindade intransigente
e cruel que pede sacrifícios. Deus, se é mesmo Deus, não divide os seres
humanos em crentes e descrentes, fiéis e infiéis. Esse tipo de deus mesquinho e
interesseiro supõe organizações religiosas baseadas no dogmatismo e no
autoritarismo de suas hierarquias. Ao adorar uma divindade assim, Igrejas ou religiões
podem até falar de paz, mas, na prática, plantam sementes de intolerância e
divisão entre as pessoas.
Graças
a Deus, líderes espirituais como o Dalai Lama, o papa Francisco, o bispo
Desmond Tutu e outros dão um testemunho de que Deus, se existe, só pode ser
amor. No passado recente, papas como João XXIII, pastores como Martin-Luther
King, o bispo Oscar Romero e alguns de nossos bispos e pastores contribuíram
muito para se compreender a religião como instrumento de paz. Eles se
inspiraram em suas tradições espirituais, para lutar contra o racismo, pregar a
não violência e contribuir com relações internacionais pacíficas.
Infelizmente,
nem sempre essa cultura religiosa da paz chega até as comunidades, paróquias e
grupos de base. Atualmente, na América Latina e especificamente no Brasil, os
grandes meios de comunicação de massa conseguiram espalhar uma cultura de
intolerância raivosa e violenta que não permite a convivência com o diferente
nem o diálogo.
Nessa
realidade, é preciso aprendermos das culturas originárias do continente. De
fato, as comunidades indígenas e grupos afrodescendentes têm nos conduzido à
cultura da paz como cultura do bem-viver, isso é, a opção de conviver
harmoniosamente e a partir de nossas diferenças culturais. Aos cristãos, São
Paulo escreve: “Deus que, através de Jesus Cristo, reconciliou o mundo consigo,
nos encarregou da palavra da reconciliação” (2 Cor 5, 19). Isso implica o
trabalho de estabelecer a paz conosco mesmos, com os irmãos e irmãs diferentes
de nós e com Deus, fonte de paz e amor do universo.
[1] -
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos
quais “O Espírito vem pelas Águas",
Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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