Por
Marcelo Barros
A
partir do próximo domingo, as Igrejas cristãs mais antigas do Ocidente entram
no que chamam de “tempo do Advento”. São quatro semanas nas quais as
comunidades são chamadas a reavivar a esperança fundamental que temos na vida.
É importante ligar isso com a celebração anual do Natal, como festa da
renovação da humanidade, simbolizada em Jesus. O objetivo é nos alimentar na
esperança de um mundo renovado.
Para
quem crê, a esperança não consiste apenas em aguardar algo que se deseja e sim
em viver de acordo com aquilo que se espera. Na etimologia do termo latino (spes),
a esperança significa tornar presente agora aquilo que é desejado ou esperado
para amanhã. A esperança nada tem a ver
com a ilusão do futuro. Ao contrário, a verdadeira esperança nos enraíza no
presente, no aqui e agora, para nos abrir à plenitude do que podemos ser.
Assim
a esperança nos transforma, como também transforma o mundo. É claro que não
estamos falando de uma esperança qualquer. No caso de uma comunidade judaica ou
cristã, a esperança é o próprio coração da fé. O que se espera não é fruto de
nossa imaginação ou de nossos desejos. O objeto da esperança é o que Deus quer
e prometeu para a humanidade. As culturas humanas podem dar nomes diferentes. Os
povos indígenas chamam de “bem-viver”. Os evangelhos chamam de “reinado
divino”.
Assim
sendo, essa esperança é muito característica da fé bíblica. Ela não depende da
conjuntura favorável. Não pode ser prisioneira de nossas vitórias ou
conquistas. Nem refém dos resultados. Se assim fosse, deixaria de ser a
esperança que nos faz orar cada dia: “Venha a nós o teu reino”.
A
esperança que Deus deposita em nós é humilde, pobre e teimosa. Sofrida e
rebelde como a esperança dos profetas e do profeta Jesus. Como a esperança da
mãe-Terra, que em meio aos ataques do sistema opressor, geme de dor. No entanto,
não deixa nunca de gerar flores e sinais de vida nova. Nossa esperança se
realiza aqui e agora, mas é movida pelo Infinito e se dirige ao Infinito. É dom
do Espírito e a ela nunca poderemos renunciar ou rejeitar. Ao contrário, ela é
a teimosia de saber que nossa luta é invencível. Que podemos ter perdido algumas
batalhas e ainda perder outras, mas a luta continua e, como dizem os índios em
Chiapas, sul do México: "Nós somos um exército de sonhadores. Por isso
somos invencíveis".
É
compreensível que nosso olhar sobre o Brasil atual, principalmente depois
dessas eleições e sobre o próprio mundo, nos traga a tentação da desesperança.
Diante das notícias cotidianas que nos assaltam, muita gente mais consciente se
sente atordoada.
Isso
torna mais urgente a nossa tarefa de reavivar a esperança, tanto dentro de nós
mesmos, como em nossas relações familiares e sociais. Nas comunidades, é preciso
realimentar a esperança como ensaio do reinado divino no mundo. Por isso, temos
de partir da fé e desenvolver uma espiritualidade sócio-político libertadora. Isso
significa viver a fé e a busca da intimidade com Deus não só no íntimo do
coração, mas na luta por uma sociedade mais justa e por um mundo de acordo com
o projeto divino.
Para
quem participa de grupos cristãos, esse é o projeto do tempo do Advento. Temos
de vivê-lo de modo que alimente nossa esperança e nossa atuação nas bases da
sociedade e na inserção nos movimentos sociais. Nas Igrejas, é urgente
retomarmos a ceia de Jesus, não apenas como culto piedoso e clerical, mas como
alimento de comunhão e resistência. Assim, a ceia eucarística se tornará
profecia antecipadora de um mundo de partilha e sinal maravilhoso de nosso
bem-querer, movido pelo Espírito e que pode transformar o mundo. Será uma
maravilha poder responder ao que o autor da primeira carta de Pedro propunha: “Estejam
sempre prontos/as a prestar contas da esperança que existe em vocês” (1 Pd 3,
15).
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros
publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da
Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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