Por Marcelo Barros
O fato
de que, em pleno século XXI, em um país como o Brasil, a maioria do povo possa
ter votado em um projeto de governo representado por Jair Bolsonaro, merece
estudos e reflexões que não se esgotarão em poucos dias, ou em algumas páginas
de artigos. Sem dúvida, se o discurso de ódio e intolerância de um homem como o
vencedor dessas eleições foi capaz de germinar e frutificar em uma população
tão diversificada é porque o vírus já estava incubado no coração das pessoas e
dos grupos sociais. Ele só aproveitou a ocasião propícia para fazer aflorar a
revolta sem rumo das massas e conciliá-la com os interesses da elite escravagista.
Aparentemente,
poderíamos pensar que na luta da civilização contra a barbárie, a maioria do
povo brasileiro optou pela barbárie. No entanto, essa análise não pode ser
essa. A maioria das pessoas votou por segurança. Apostou em alguém que fala em
mudanças e que promete defender valores
firmes em uma sociedade na qual tudo parece líquido.
O
povo pobre votou contra si mesmo e o engodo no qual caiu não será descoberto
como equívoco a não ser pouco a pouco e de forma parcial. A chamada “guerra de quarta geração”, paga pelo
governo norte-americano e disparada dia e noite pela Globo e por outros
instrumentos da grande mídia ainda demorará a ser desmascarada.
Para
quem segue um caminho espiritual, seja cristão, seja de outra tradição
religiosa, o resultado dessas eleições mostra o descrédito total da fé,
travestido em uma religião, morta e empalhada, usada como bandeira para as
piores causas, antissociais e desumanas. Na carta aos romanos, o apóstolo Paulo
ensina que, para quem é discípulo/a de Jesus, a percepção da justiça do modo
como Deus a encara, justiça libertadora, só se faz pela fé. Assim, a fé não é
apenas crença religiosa, mas é a acolhida do chamado que Deus nos faz através
da vida e para a vida. Por isso, nunca a fé pode ser desligada da vida e de uma
sensibilidade pela justiça e a partir dos pequenos. Por isso, se torna muito doloroso
constatar que grande parte dos religiosos não só se somou ao projeto do ódio e
da intolerância, como contribuiu fortemente para a vitória do mal. No cômputo
final dos votos a maioria das pessoas que se dizem religiosas (das mais
diversas religiões) votou na extrema-direita e a minoria votou pela Democracia.
O único grupo religioso cuja maioria votou na Frente Democrática foi o povo de
tradições afrodescendentes.
No
caso do Cristianismo, ainda há muitos padres e pastores que, do evangelho, mantém
apenas alguma coisa como uma pintura superficial e isso mesmo quando lhes
convém. Não são poucos os bispos e padres que ainda fazem divisão entre o
religioso e o social. Falam do religioso como algo alheio a esse mundo. Não
tomam posição em favor da verdade, como se a realidade social e política não
lhes dissesse respeito. Ao fazerem isso, favorecem sempre o pior lado. Em suas
dioceses, dão maior apoio e assistência
a movimentos leigos de classe média, que desenvolvem uma espiritualidade
autocentrada no indivíduo e a partir de um modelo de Igreja fechada em si mesma,
pouco atenta à profecia transformadora do Evangelho e às orientações do papa
Francisco.
Em
1964, padres e fieis foram às ruas para festejar o golpe militar. Em várias
capitais, em nome de Deus, encabeçaram a Marcha
por Deus, pela pátria e pela família. O resultado disso, todos nós
conhecemos. Na Alemanha do Nazismo, em 1933, a maioria dos bispos, padres e
pastores manifestaram apoio a Hitler, ao Nazismo e à esperança de uma Alemanha centrada
na pureza da raça teutônica. Um pequeníssimo grupo de pastores e fieis,
coordenados pelo teólogo e mártir Dietrich Bonhoeffer começou o que se chamou Igreja da Resistência. Não contavam com
o apoio das hierarquias e muitos seriam perseguidos, presos e mortos. Mas, se
sentiam chamados pelo Espírito a esse testemunho de fé e de amor.
Afirmavam: “Cristo nos ajuda não por sua onipotência e sim por sua debilidade e
sofrimentos”.
Nessas
eleições, nós que optamos pelo caminho do amor e da solidariedade fomos
conduzidos à realidade de que somos minorias abraâmicas, como chamava Dom
Helder Camara. As eleições são importantes, mas não representam tudo. Nossos
grupos e militantes fizeram um trabalho belo e profundo nessas semanas. De
qualquer forma, essa semente plantada, mesmo se não for hoje, nem amanhã, dará
o seu fruto. Na véspera da paixão, na ceia com os discípulos, Jesus afirmou ao
seu pequeno grupo: “Se o mundo vos odeia,
sabei que primeiro odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como
ama o que é seu, mas, porque não sois do mundo e, porque eu vos escolhi do mundo,
o mundo vos odeia. Recordai-vos do que eu vos disse: O servo não é maior do que
o seu senhor. Se perseguiram a mim, perseguirão também a vós...” (Jo 15,
18- 20).
MARCELO BARROS é
monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O
Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email:
irmarcelobarros@uol.com.br
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