Por Marcelo Barros
Mais
do que nunca, em tempos de intolerância e discriminações, se torna fundamental
celebrar o 20 de novembro como dia da união e consciência negra. Há duas
décadas, várias cidades brasileiras consagram esse dia como feriado para
comemorar o aniversário do martírio de Zumbi dos Palmares. Toda a semana é
coroada com eventos sobre a imensa contribuição das raças negras na história e
na construção das culturas formadoras do Brasil de hoje. Em todo o Brasil, há
eventos que, ao valorizar a negritude, se tornam importantes, não apenas para as
pessoas que se definem como de raça e cultura afrodescendente, mas para toda a
sociedade brasileira.
No
Brasil, de acordo com a Constituição, toda expressão de racismo é considerado
crime grave. No entanto, desde a recente campanha eleitoral e por
responsabilidade do candidato eleito, temos assistido a nova onda de
manifestações racistas, especialmente com as raças e culturas afrodescendentes.
Isso não seria tão grave e não teria consequências tão trágicas se, na
sociedade, esse tipo de atitude não encontrasse enraizados na memória cultural
dos brasileiros o velho preconceito e a brutal discriminação racial, heranças
da escravidão. Oficialmente, essa foi abolida, mas, na prática, está mantida em
relações de trabalho injustas e em uma estratificação social rígida e
impiedosa.
A
discriminação social e o racismo não fazem bem a ninguém e não ajudam a criar
um mundo mais justo e feliz. Ao contrário, trazem dor e violência tanto para as
vítimas da injustiça, quanto para os que a praticam e ainda para os que com
esse tipo de prática são coniventes.
O
Brasil é um dos países mais negros do mundo. De acordo com o censo mais
recente, voluntariamente 50, 7 da população se declarou negra. Isso significa
mais da metade dos brasileiros. Infelizmente, a maioria desses irmãos e irmãs ainda
representa a parte mais empobrecida da população brasileira. Em todo o Brasil,
jovens negros são mais vítimas da violência estrutural de cada dia do que
qualquer outra faixa da população. A maioria dos assassinatos atinge a
população negra. Nas periferias de muitas cidades brasileiras, quase a cada
manhã, se descobrem cadáveres de adolescentes negros e pobres. Também, a cada
dia, comunidades religiosas de tradições afrodescendentes são agredidas e
atacadas por grupos que se denominam cristãos.
A
Constituição de 1988 garante o direito das comunidades negras e remanescentes
de quilombos à posse de suas terras ancestrais e à manutenção de sua cultura
própria. Conforme cálculos do governo, existem hoje no Brasil cerca de mais de 2.800
comunidades quilombolas. São verdadeiras repúblicas de homens e mulheres
livres, formadas por descendentes de escravos, fugidos do cativeiro e de alguns
índios e brancos que decidiram viver solidariamente com eles. Esses quilombos se
espalham por quase todos os estados do país e são símbolos da resistência dos
pequenos. Servem de modelos como comunidades verdadeiramente solidárias. Entretanto,
ainda faltam leis complementares para por em prática à Constituição que, quando
não favorece à elite, é facilmente esquecida.
Por outro lado, há diversas iniciativas no Congresso, agora facilitadas
pela conjuntura do novo governo, que visam anular o prescrito na Constituição
federal e dar poder aos estados de retirar quilombolas e indígenas de suas
terras ancestrais.
Todos
nós, brasileiros, temos responsabilidade social de trabalharmos por um país
mais igualitário e justo. Os cultos de tradições religiosas afrodescendentes,
mantidos vivos de geração em geração, têm sido instrumentos importantes para a
unidade das comunidades e para garantir uma consciência mais profunda da
dignidade dos seus membros. Para os cristãos, um valor central que a Bíblia
aponta é a consciência da cidadania de todos os seres humanos, como filhos e
filhas de Deus e cidadãos do seu reino. Essa revelação divina pode ser
encontrada, como valor intuído e praticado nas comunidades afrodescendentes. Paulo
escreveu que onde há aspiração e luta pela liberdade, aí está presente e
atuante o Espírito Divino (Cf. 2 Cor 3, 16. Que esse aniversário do martírio do
Zumbi confirme e reavive em todos nós o caminho de comunhão e partilha!
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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