Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Após as eleições, paira no ar uma sensação de depressão
pós-parto. Tanto em vencedores como em vencidos. Os que tiveram seus
candidatos eleitos esperam preocupados como se delineará a
governabilidade. Os primeiros gestos, decisões, semeiam mais insegurança
que firmeza. Desconcertam, angustiam. Parece que não se entende os rumos
de um tempo diferente com outro estilo que começa.
Os que foram derrotados nas urnas se dividem. Alguns
optam pela oposição, resistência e combate cerrados. Outros preferem
esperar para verificar, pagar para ver ou até deixar que o adversário vencedor
fracasse e mostre sua verdadeira cara. Apostam que a governabilidade
inexistirá e então a incompetência de uma vitória indevida mostrará sua
verdadeira face de ilegitimidade e incapacidade de responder aos desafios e
responsabilidades concedidos pelas urnas.
Em todo caso, o que temos é um país dividido,
desencontrado. Famílias se indispuseram ou até, em alguns casos, cortaram
relações entre seus membros. Amizades de anos foram interrompidas e
palavras de acusação e raiva pronunciadas onde antes reinava harmonia e
companheirismo. Relações foram perdidas e parece muito difícil refazê-las. Em
suma, o panorama nacional mostra um tremendo desencontro.
Enquanto isso, o papa Francisco fala da importância de
construir uma cultura do encontro. Não se trata certamente de um discurso
piedoso e fácil adotado pelo pontífice para dizer a todos que se amem e
respeitem sem nenhuma dificuldade ou obstáculo. Longe disso. Para o
papa, a cultura do encontro é um estilo de vida e uma atitude, fruto de uma
experiência e um itinerário pessoal, agora proposta à Igreja e à sociedade como
um todo.
Diante da cultura do fragmento, da desintegração e da divisão
é importante, afirma o pontífice, não favorecer os que pretendem capitalizar o
ressentimento, o esquecimento das relações vividas e desfrutadas, ou os que se
deleitam em debilitar vínculos e laços. Esse seria, a seu ver, o caminho
para superar os desencontros que sucedem na sociedade.
Tão importante é a construção da arte do encontro, que antes
mesmo de Bergoglio o poetinha maior de nosso país, Vinicius de Moraes, disse:
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”
Com sua imensa sensibilidade, queria o poeta ressaltar algo que é
constitutivo e visceral no ser humano: sua vocação para a relação, para o
afeto, o amor, aquilo que configura e realiza o que chamamos encontro.
Assim também parece entender o papa. Quando ainda era
arcebispo de Buenos Aires, Argentina, várias vezes se empenhou em instar a seus
compatriotas a superar os desencontros e refundar os vínculos sociais,
políticos, na abertura e na esperança. Agora, desde o Vaticano, onde lidera a
Igreja e fala também ao mundo, Francisco não se cansa de repetir esse convite,
que consiste em abrir-se à alteridade do outro, aproximar-se, vincular-se,
construindo com esperança uma nova mentalidade, um novo estilo de vida, uma
nova cultura, onde seja possível o encontro, o diálogo e a comunhão.
Há que admitir que é muito difícil. A tentação do
desânimo diante desta proposta vem carregada da pesada tinta da
impossibilidade. Como dispor-se ao encontro e ao diálogo com quem parece
querer conduzir o país na direção oposta daquela em que acreditamos? Como
apostar em um possível consenso com pessoas e grupos que parecem falar outra
língua, oposto idioma àquele em que acreditamos, que detém os códigos
comunicacionais da justiça, do direito, da paz e da prosperidade?
Mais: como fazer esta busca de encontro, consenso e acordo se
transformar em verdadeira cultura, que procura o que une em lugar do que
divide, e não recua diante de nenhum gesto, atitude ou palavra que possa fazer
acontecer a solidariedade e a comunicação? É duro acreditar que isso poderá
ocorrer, sobretudo quando escrevo este artigo no momento seguinte à decisão que
liquida com a presença dos médicos cubanos no Brasil e não há como não se
pensar que uma represália política deixará na orfandade sanitária milhões de
pessoas nos lugares mais pobres e vulneráveis do país.
É duro, porém mais que nunca necessário. O encontro
pode acontecer, mesmo com dificuldade, quando há ao menos um objetivo comum. E
este existe e está diante de nossos olhos. Todos queremos o bem do
país. Todos queremos o povo brasileiro respirando com liberdade,
esperança, vendo a perspectiva de um futuro melhor para seus filhos e netos.
Enrijecer-se nas divisões certamente não ajudará o Brasil a conseguir esse
objetivo.
O povo brasileiro, sempre inspirado na arte de sobreviver a
toda impossibilidade, de esperar contra toda esperança e alegrar-se mesmo e
sobretudo sem motivo algum, tem agora diante de si este desafio: tornar-se
perito na arte do encontro. Aprofundar as divisões não nos levará longe.
É preciso, é urgente desarmar espíritos e buscar possíveis consensos. Sem
eliminar o respeito às diferenças, a resistência ao que é nefasto, a denúncia
do indefensável. A difícil arte do encontro deve fazer-se ainda que em meio a
esse mar de desencontros em que vivemos agora. O Brasil merece e precisa.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de
Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia”
(Editora Paulus), sua mais recente obra, entre outros livros.
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