Reginaldo
Veloso
O
tema da CF de cada ano nos ajuda a vivenciar nossa fé e celebrá-la de maneira
consistente. A Páscoa, o Mistério Pascal, ou acontece no cotidiano e no
concreto de nossa existência, hoje, aqui e agora, ou é mera imaginação; seu
anúncio, um discurso vazio; e sua celebração, “cantiga de ninar”, perniciosa
alienação. É o tema da CF, então, que nos ajuda a perceber o MISTÉRIO PASCAL em
nossa vida, na vida povo. A gente, a comunidade cristã, é alertada, convocada
pela voz dos Pastores, primeiro, para abrir os olhos e enxergar o que acontece
a seu redor, de modo a perceber as coisas boas, as realizações do Bem Comum, do
Bem Viver, que, efetivamente, acontecem na vida do povo, ou então, as mazelas
todas que infelicitam nossas vidas, desafios à nossa consciência cidadã (VER)...
À luz o Mistério Pascal, nossa referência
maior, CRISTO MORTO-E-RESSUSCITADO, fazemos nossa leitura mística dos “sinais
dos tempos”, e descobrimos nessa complexa realidade, realizações da Terra
Prometida, sinais do Reino, passagens do Deus Libertador... ou então, as chagas
vivas do Crucificado, a Paixão de Cristo que continua nos padecimentos todos do
povo empobrecido, da Classe Trabalhadora, frutos do pecado do mundo, do
egoísmo, das injustiças e desigualdades todas, que geram miséria e violências
sem conta. E a partir desse confronto,
os desafios ecoam aos nossos ouvidos como apelos de Deus (JULGAR)... Se há motivos, então, de ação de
graças, há, sobretudo, urgência em atender a esses “apelos de Deus”, a
demandarem compromisso e engajamento da Comunidade Eclesial,
coletivamente, e de cada pessoa batizada,
individualmente, nas ações e lutas envidadas pelos Movimento Populares,
Sindicais e Políticos, para que os governos cumpram com suas obrigações
constitucionais e atendam aos direitos e às necessidades básicas da população,
sobretudo, do povo mais carente... Pressionaremos juntos os poderes públicos
para que sejam utilizados, com honestidade e eficiência, os recursos do povo
que se encontram sob sua responsabilidade, na realização de políticas públicas
(AGIR)...
Foi
com esse espírito, que entramos na dinâmica pascal, desde a Quarta-Feira de
Cinzas, equipando-nos com os três principais instrumentos de conversão, a
Oração, isto é, a abertura do coração para a Palavra e o Espírito; o Jejum,
isto é, a ascese, as renúncias que nos liberam para o serviço aos irmãos e
irmãs, em obediência à vontade do Pai; e a Esmola, isto é, a busca, com fome e
sede da Justiça, de tudo aquilo que possa realizar o Direito e a
Justiça, o bem estar comum, a igualdade, a Irmandade, a Paz...
Foi
assim, que, na primeira semana da Quaresma, caímos em campo, no deserto do
mundo, para enfrentar com Cristo, na força da Palavra de Deus, as tentações, as
forças todas do Mal que continuam infelicitando a vida de tanta gente, um
sistema econômico cruelmente excludente, que deixa tanta gente entregue à
própria sorte... Foi assim que, iniciamos a segunda semana subindo com Jesus e
seus três amigos mais íntimos ao monte da Transfiguração, e ouvimos a voz do
Pai nos conclamando a escutar confiantes seu Filho a nos convidar a tomar a
cruz do Amor com Ele, descendo o monte e caindo em campo, na luta por Políticas
Públicas que deem condições de dignidade, bem estar e sossego à nossa gente,
vitimada pelo desemprego galopante, desassistida por um SUS precarizado, por
uma Educação Pública deficitária, por programas de Habitação sempre aquém das
necessidades de tantas famílias, por um sistema de Transporte precário e
desumano, sem Segurança Pública, e ainda mais às voltas com um custo de vida
que vai consumindo seus parcos recursos, bem antes de o mês acabar... Foi assim
que se passaram mais três semanas, ora nos alertando para a conversão, para a
mudança de atitude e para a militância transformadora... Ora nos conclamando ao
exercício da Misericórdia uns para com os outros, umas para com as outras:
precisamos ser mais compadecidos, compreensivos, pacientes, tomando cada qual
para si as dores das demais pessoas e de todo o povo, e nos incentivando
mutuamente ao compromisso com o bem de todos e todas, especialmente, na luta contra
os preconceitos e discriminações de toda sorte, engajando-nos na luta pela
permanência e incremento das políticas compensatórias, ou por Políticas
Públicas de uma urgência maior, como por exemplo, o Saneamento Básico
Integrado, que tanto faz falta em nossos bairros e nos deixam a todos e todas,
de criança a idoso, à mercê de ratos, baratas e mosquitos, em meio ao lixo e à
fedentina, sujeitos a todo tipo de virose e epidemia... É possível que na
altura do Quarto Domingo, já possamos celebrar, antecipadamente, algum sinal de
Páscoa em nossa vida pessoal ou comunitária, na vida do nosso povo, alguma
coisa boa, alguma conquista política, algum benefício para todo o povo, alguma
esperança de mudança na vida do bairro... Por pequeno que seja o benefício ou a
mudança que se anuncia para a vida do bairro, da favela ou do sítio, dos abandonados e
discriminados, já vale a pena cantar “Fiquei foi contente, quando me disseram:
a gente vai pra casa do Amor”...
Finalmente,
chegamos à SEMANA SANTA, ao DOMINGO DE RAMOS: saindo em procissão com cantos
nos lábios e ramos nas mãos, com alegria iniciamos esta Semana Maior,
ovacionando, feito o povo de Jerusalém, especialmente as crianças, Alguém que
nos deu forças para conseguir alguma coisa nova e boa para a vida do nosso
povo: nas ações que empreendemos, na força do Espírito da Páscoa, sentimos a
presença do Rei dos Pequeninos, dos excluídos e excluídas, que são os mais
importantes no coração do Pai. Este será o motivo maior da nossa vibração ao
agitar nossos ramos, cantarmos e aplaudirmos o nosso Rei. Sabemos que “alegria
de pobre dura pouco”. Logo, logo, vamos dar de cara com a conspiração das “autoridades”,
a traição de Judas, a negação de Pedro, a Paixão de Cristo, e por aí vai... Mas
não importa, de Quaresma em Quaresma, de Páscoa em Páscoa, chegaremos à
realização plena da Terra Prometida!
Entre
a SEGUNDA e a QUARTA-FEIRA SANTAS, é bem provável que viveremos um belo momento
individual e/ou comunitário de celebração da RECONCILIAÇÃO, concluindo todo
nosso esforço penitencial, ao longo dos quarenta dias desse “Tempo de Graça”
que foi a Quaresma. É hora, agora, de concluir este grande “Sacramento”, e nos
abraçarmos na alegria da “volta” à Casa do Pai, na beleza da PAZ, conscientes
de que valeu a pena superar nossa acomodação, sairmos do nosso conforto, para
ir a o encontro das necessidades de todo o povo, exercendo de modo mais
coerente nossa cidadania, em nome do Cristo que deu a vida pela causa da Vida.
QUINTA-FEIRA
SANTA, véspera da Sexta-Feira da Paixão, iniciamos o TRÍDUO PASCAL: a
Comemoração da ÚLTIMA CEIA DO SENHOR, ao realizarmos o LAVA-PÉS, fará muito
sentido precedê-la de uma rica partilha das melhores experiências vivenciadas
ao longo da Quaresma, uma “recordação da vida”, por exemplo, antes da
proclamação das leituras bíblicas, para se compartilhar os esforços feitos e,
possivelmente, os resultados satisfatórios, mesmo que incipientes, em busca de
Políticas públicas, em benefício de todo o povo, especialmente, quanto às
necessidades básicas da população mais precisada. Na hora do Lava-Pés, ficará
evidente a presença de JESUS nas pessoas e grupos que se debruçaram sobre as
necessidades do povo e se colocaram a serviço do bem de todos e todas. O mesmo
se perceberá ao se relembrar o Mandamento do Amor, e, sobretudo, ao repetir-se,
em sua memória, a partilha do Pão e do Vinho, Sacramento do Corpo e do Sangue
que serão entregues pela Vida da Humanidade. As realizações, mesmo modestas, de
ações que vão na direção de Políticas Públicas em benefício do povo com quem se
convive e do qual se faz parte, não terão sido uma significativa realização do
AMOR e da ENTREGA que o Senhor nos manda viver e celebrar? ...
Mas
o primeiro dia do Tríduo Pascal tem sua culminância na tarde da SEXTA-FEIRA
SANTA: toda a história da humanidade, que precede e que segue a história do
SERVO SOLIDÁRIO, e nesta encontra o seu ápice, sua culminância, é uma história
de DOR que rima, a todo momento, com AMOR, ou vice-versa. Nesta tarde maior,
saberemos encontrar os momentos mais oportunos de fazer brilhar, juntamente com
a Cruz gloriosa do Senhor, as memórias dos “Mártires da Caminhada”, figuras
emblemáticas dos Povos Nativos, dos Afrodescendentes, da Classe Trabalhadora,
homens solidários e mulheres solidárias que tomaram para si as dores do seu
povo, e como Cristo e com Cristo, deram suas vidas, derramaram seu sangue para
que todo o povo oprimido e excluído tivesse vida em plenitude. O testemunho
deles e delas, sintetizado e culminado na PAIXÃO DO SENHOR, dão o pleno sentido
e motivação a nossos esforços e tentativas, aos riscos corridos e por correr,
e, talvez, aos dissabores experimentados e contradições sofridas e por
enfrentar, hoje em dia, em busca do Bem Comum, do Bem Viver de nosso povo. Das
profundezas dessa consciência pascal é que brota o grito esperançoso e
exultante: “VITÓRIA, TU REINARÁS, Ó CRUZ, TU NOS SALVARÁS!
O
segundo dia do Tríduo, o SÁBADO SANTO, é um dia de repouso, de silenciosa
curtição de tanta coisa significativa que encheu nosso olhos e ouvidos, ao
fazermos memória do Ontem e do Hoje dessa longa história de AMOR e de DOR, de
DOR e de AMOR, que se confunde com a história de toda a Humanidade, resplende
da Cruz de Cristo, e ilumina e motiva nossa entrega hoje, através de todos os
nossos esforços e lutas pelo bem do nosso povo, como foi nossa Campanha da Fraternidade por
Políticas Públicas, este ano na Quaresma...
Finalmente,
no Sábado Santo à noite, véspera do “terceiro dia”, o Domingo da Ressurreição,
fecharemos com chave de ouro o nosso Tríduo Pascal, com a celebração da VIGÍLIA
PASCAL: começando com Liturgia da Luz, no brilho do Ressuscitado, já é hora de
começar a perceber e proclamar a “LUZ de CRISTO” nos sinais de vida nova que
conseguimos fazer brilhar no muito ou pouco que se conseguiu em termos de
melhoria das condições de vida do nosso povo, com a nossa Campanha da
Fraternidade... A LITURGIA DA PALAVRA, da proclamação da Criação ao exultante
anúncio da Ressurreição, passando pelos Profetas e pelo Apóstolo, que anunciam
a Vida Nova, serão outras tantas oportunidades de se experimentar a importância
do que foram nossos esforços e conquistas, por ocasião da Campanha da
Fraternidade, expressões concretas de uma Fé, que não é ilusão piedosa ou
demagógica, sinais da Passagem Libertadora do Deus da Vida em nossas vidas, em
Cristo Morto-e-Ressuscitado... A
LITURGIA DA ÁGUA será outra bela oportunidade, para quem se batiza nesta Noite
Santa, e para quem foi batizado, batizada, há mais tempo, de se dar conta do
compromisso cristão: estamos sendo lavados e confirmados, lavadas e
confirmadas, em nome do Deus-Comunidade, para, em meio ao mundo, sermos SAL que
fertiliza, conserva e dá sabor, através da militância, LUZ que brilha através
das ações transformadoras que dão glória ao Pai, FERMENTO que tudo transforma e
enche de vida, em Cristo, na força do Espírito... E nosso Ver-Julgar-e-Agir, o
longo das 6 semanas da Quaresma, pelo nosso empenho na realização da Campanha
da Fraternidade, foi expressão concreta e significativa de todo esse Mistério
Pascal... Sentados, então, à Mesa, para comermos, nesta Noite Santa, a Ceia do
Senhor, ao ouvir suas palavras “Fazei isto em minha memória!”, mais do que
nunca, experimentaremos a Bem-Aventurança anunciada por Jesus quando do
Lava-Pés da Última Ceia: “Sereis felizes se o puserdes em prática” (Jo 13,17).
Na intimidade alegre do momento da Comunhão, ao comermos do Pão e bebermos do
Cálice, relembrando tudo quanto tentamos fazer quando da nossa Campanha da
Fraternidade, poderemos até confidenciar-lhe: Na verdade, Senhor estamos
felizes em comunhão contigo que deste a vida para que os espoliados da terra “tenham
vida, e a tenham vida em abundância”, ALELUIA! (Jo 10,10).
Reginaldo Veloso, presbítero leigo das CEBs
Assistente adjunto do MTC-NE 2
Assessor pedagógico do MAC e do PROAC
Da Equipe do Setor de Música Litúrgica da CNBB
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