Em
todo o Brasil, nesse final de semana, aeroportos e rodoviárias se enchem de
gente. Muitas pessoas aproveitam o feriado para passear, visitar parentes ou
simplesmente para descansar. Em alguns lugares, grupos encenam a paixão de
Jesus. Em muitas Igrejas, as comunidades
celebram o fato mais importante da fé: a festa da Páscoa, memória da paixão e
morte de Jesus, celebradas como vitória e vida nova que o Pai lhe deu.
A
Páscoa é uma festa judaica que os cristãos assumiram. Até hoje, nas sinagogas de
todo o mundo, cada ano, as comunidades judaicas comemoram a Páscoa para
recordar a libertação do Êxodo. Os símbolos da festa expressam: toda pessoa
humana tem a vocação da liberdade. Precisa caminhar para um mundo novo e mais
feliz. Para os/as cristãos/ãs, durante uma Páscoa, em Jerusalém, Jesus foi
morto e Deus lhe deu uma vida nova. Essa vida nova, ele reparte com todas as
pessoas que aceitem segui-lo, na missão de testemunhar ao mundo o projeto
divino de paz e justiça.
Em
alguns lugares da América Latina, na sexta-feira santa, as procissões do Senhor
morto reúnem multidões. Mesmo pessoas
que, comumente, não frequentam Igreja, acorrem à adoração do Senhor morto.
Talvez porque, mesmo inconscientemente, se sintam representadas na imagem do
Crucificado.
No
mundo antigo, a crucifixão era o castigo imposto a escravos rebeldes e a
pessoas que se levantavam contra a dominação do império. Jesus foi acusado de
percorrer a Galileia levantando o povo contra o domínio de César (Cf. Lucas 23,
1). Por isso, foi condenado à morte na cruz pelo governador romano Pôncio
Pilatos,
Atualmente,
a cruz continua existindo. No tempo da ditadura militar brasileira, tornou-se
famosa como instrumento de tortura de presos políticos. Até hoje, o “pau de arara” resiste em não poucas delegacias
que atendem pobres. No entanto, mais do que uma madeira na qual os indefesos
são pendurados, a cruz se tornou realidade de imensa maioria da humanidade,
roubada dos seus direitos de viver dignamente. No mundo atual, mais de um
bilhão de pessoas não tem segurança alimentar. Milhões não têm acesso à agua
potável e passam fome. Multidões são obrigados a deixar sua terra para não
morrer em meio à fome, à guerra, enquanto os que ficam sobrevivem em condições
de uma pobreza injusta, apenas para garantir o lucro e o conforto de uma
minoria ínfima de privilegiados. Em todos os continentes, as Igrejas celebram a
paixão de Jesus, mas são os empobrecidos, povos inteiros, crucificados pelo
deus dinheiro, que vivem na carne e prolongam, dia após dia, a paixão de Cristo.
Esse
fato é uma contradição com o que a Igreja sempre ensinou: Jesus morreu na cruz
para que ninguém mais precise morrer assim. Por isso, celebrar a paixão de
Jesus e proclamar que o Pai lhe deu uma vida nova devem renovar a nossa força
de resistir ao mal e aos sofrimentos. Na Campanha da Fraternidade desse ano, a
CNBB nos ensina que celebrar a Páscoa de Jesus deve se expressar na luta
comunitária e constante por Políticas Públicas que sirvam a todos.
Atualmente,
no plano cultural e religioso, o mundo é diversificado e pluralista. Uma
cultura não deve se impor sobre outra. Menos ainda tem sentido uma religião
civil, como se fosse a ideologia religiosa da sociedade dominante. Alguns países da Europa, sob pretexto de
laicidade do Estado, ocultam forte racismo contra os muçulmanos e proíbem as
mulheres de usar véu. No Brasil, sob o falso pretexto de defesa dos animais,
existem projetos para proibir as religiões afrodescendentes de fazer seus
sacrifícios. E quando não conseguem mais mascarar a perseguição, tentam até vetar
o uso de tambores em terreiros afro. Nesses casos, os grupos visados pela lei
são sempre os mais pobres e minoritários. Uma política pública inspirada na
Páscoa trata de dar a todos os segmentos a mesma liberdade e de ajudar cada
grupo a se abrir aos outros.
Para
que a Páscoa tenha um sentido para toda a sociedade, é importante que, sem perder
o sentido próprio que ela tem para as Igrejas, juntos com toda a humanidade, os
cristãos possam recuperar a sua dimensão ecológica e transformadora da
sociedade Assim, juntos poderemos festejar um novo cuidado com a Vida e uma forma mais amorosa de organizar
a sociedade como sinal do amor divino.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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